Aborto: um relato em primeira pessoa
Eu senti que o anticoncepcional estava me deixando mal, com dores de cabeça, nauseada. Fiz alguns testes: nos dias que tomava, me sentia mal, quando não tomava me sentia bem. Decidi parar de tomar por completo. Mantive relações sexuais nesse período, sempre com preservativo. Já fazia quase dois meses que eu não tomava anticoncepcional, me sentia bem e disposta. Foi aí que eu observei que a náusea havia voltado, que tinha alguns cheiros que me deixavam com o estômago muito embrulhado. Numa tarde chuvosa, tremendo, fui à farmácia comprar um teste de gravidez.
Cheguei em casa e muito ansiosa fiz o teste: dois riscos cor-de-rosa, eu realmente estava grávida. Joguei tudo no vaso e dei descarga, eu não sabia o que fazer, mas de uma coisa eu tinha certeza: não iria ter um filho naquele momento de modo algum. São muitas as coisas que passam pela cabeça de uma pessoa que decide abortar. Como aquilo podia ter acontecido comigo? Por que eu? Como, se eu usei camisinha sempre, se nunca estourou? Tudo parecia um sonho de muito mau-gosto. Parecia que eu estava vivendo um pesadelo. Mas nem por um segundo eu pensei em levar adiante um gravidez absolutamente indesejada.
Decidida a abortar, entrei num site de busca e foi aí que começou o meu inferno: haviam muitos sites falando sobre o Cytotec, mas não havia a possibilidade de compra online. Muitos comentários falavam sobre golpe, sobre remédios falsificados. Foi então que eu fui atrás dos chás abortivos. Eu testei, mas nenhum funcionou. Com o passar dos dias, eu me sentia cada vez pior. Vomitava umas 20 vezes por dia (sem exagero). Tentei disfarçar, mas meu nervosismo e desamparo gritou mais alto e foi aí que contei para a minha mãe. Ela chorou bastante, não concordava com o meu posicionamento, foi horrível.
Algumas pessoas ficaram sabendo e a história se espalhou. Perdi muitos amigos. Fui julgada e condenada, mas jamais ouvida. Ninguém queria saber a versão da “vadia, imunda e irresponsável, assassina de bebêzinho”. Fiquei arrasada. Destruída.
Com o passar dos dias eu me sentia cada vez mais sozinha, mesmo contando com o apoio de duas amigas, que não me julgaram e não deixaram para trás, não me deixaram sozinha nem por um minuto. Eu devo minha vida à elas.
Meu estômago estava destruído e comer me deixava muito mal. Foi aí que comecei a vomitar os ácidos do meu estômago já que não tinha comida ali. Eu fiquei muito fraca. Em 3 semanas perdi uns 5 Kg e continuava perdendo peso.
Eu caminhei pelo labirinto psicológico que passa aquelas pessoas que acabam colocando fim às suas vidas. Se matam, não aguentam o tranco, por diferentes motivos. Como tu pode pedir “força” de quem chegou no fundo do poço? Lá do fundo, a minha luz veio quando a minha mãe voltou para me dar a mão.
Foi então que eu consegui o contato de um médico que realizava o procedimento no consultório dele. Aí eu já estava com 8 semanas de gestação, consegui o dinheiro e ele me explicou como funcionava, em dois momentos: numa noite ele colocaria o Cytotec e de madrugada eu começaria a ter cólica e um quadro parecido com o “iniciozinho de uma menstruação”. Na verdade era o início de um aborto. Na manhã seguinte, cheguei cedo ao consultório, entreguei o dinheiro e logo fomos para o procedimento. Não lembro de muita coisa, apenas de me sentir muito fraca e com a pressão baixa. Ele me medicou, me acalmou e em 20 minutos tudo estava feito. Eu não estava mais grávida, mesmo me sentindo fraca e tonta, lembro da sensação de leveza que senti no fundo do peito. Mil kg saíram das minhas costas.
Nem por um minuto eu me arrependi do que fiz. Se eu voltasse no tempo e tivesse a oportunidade de fazer alguma coisa diferente com relação à gravidez, eu faria tudo exatamente igual.
Depois que tudo passa (e passa!), você se torna uma pessoa mais forte. É como a pele da palma da mão, que de tanto trabalhar, caleja e fica mais resistente. Depois disso, você também aprende a selecionar melhor as pessoas com as quais convive. O que aconteceu comigo funcionou como uma peneira. Hoje em dia eu só agradeço e penso que o que aconteceu foi para me fazer uma pessoa mais madura, mais forte, menos suscetível à queda por falatório de quem sequer quis me ouvir.
Eu poderia ter morrido se não tivesse dinheiro para pagar o aborto. Eu poderia ter morrido se invés de um médico, eu tivesse sido atendida por uma pessoa qualquer em uma clínica clandestina. Eu poderia ter morrido se não houvessem mulheres fortes cuidando de mim, me dando colo e apoio incondicional. Eu poderia ter morrido se tivesse dado “ouvidos” aos comentários maldosos que sugeriam que eu não era digna de estar viva.
A língua dessas pessoas poderia ter me matado. Parem de julgar as mulheres e pedir perfeição a todo momento e instante. Parem de cobrar “comportamentos adequados” baseados na “moral e nos bons costumes” que sequer costumam praticar. Parem de culpabilizar as mulheres pelo fato de fazerem sexo. Todo mundo faz sexo, todo mundo que está lendo é fruto de sexo, inclusive.
Por fim, parem de achar que sabem o que é melhor para a mulher. Quem sabe o que é melhor para ela, é ela mesma.
Imagem daqui.
Comments
Comentários