Reflexões sobre feminismo e prostituição

Há um tempo atrás, algumas pessoas que me seguem pediram que eu tornasse pública minha opinião sobre prostituição e a briga de uma determinada vertente feminista contra a PL do Jean Wyllys. Pois bem, achei que não devia dizer nada, não me cabe falar de algo que eu não vivo e acho que as mulheres que trabalham como prostitutas têm autonomia para fazê-lo. Percebo que algumas levam numa boa, outras não. E ainda assim, prefiro ficar de fora, esperando que elas entrem num consenso sobre o que é melhor para elas.

Terão sempre meu apoio. Sempre enxerguei a prostituição como um trabalho e vou continuar enxergando. E acho que o feminismo, na paralela dessa discussão, deveria estar trabalhando em promover a discussão sobre a sexualidade feminina, construída em cima de ideologia patriarcal e altamente moralista, moralizante e moralizadora, que impede entre outras coisas que esse assunto seja discutido com realismo e seriedade que deveriam.

Uma sociedade onde as mulheres sequer admitem que se masturbam e têm inúmeras travas para expressar livremente sua sexualidade como os homens o fazem, tem muito o que discutir a respeito.

Não estou bem certa de que o problema é a venda do sexo em si, o problema é a mentalidade machista que confina a sexualidade feminina nos fins reprodutivos e qualquer uma que fuja disso é diminuída como ser humanos. O buraco dessa discussão, pra mim é mais embaixo, bem mais embaixo, e quem tá se metendo tá fazendo uma confusão que seria cômica até, não fossem os efeitos nefastos para a vida das moças realmente envolvidas.

Deixem as putas que querem exercer sua profissão em paz, parem de bancar as salvadoras dos outros e comecem a cuidar de si mesmas.

O dia que eu ouvir da boca de uma mulher que ela só se casou por sexo, ou que ela ama o companheiro mas que precisa transar com outros porque entre os dois não rola ‘química’, ou que ela tem fantasia sexual de fazer sexo com dois homens ao mesmo tempo, entre outras coisas que homens falam abertamente, sem constrangimento e todos aplaudem, e essa mesma mulher ser admirada livre e publicamente pelas outras e se transformar em uma referência de feminilidade, eu vou acreditar que a gente pode discutir prostituição de maneira honesta.

Mulher não pode falar sobre sexo, não pode gozar, não pode se masturbar (siririca é um tabu em 2016!), não conhece o próprio corpo, ainda tem dilema sobre dar ou não no primeiro encontro, não chupa e tem vergonha de dizer ou pedir pra ser chupada, as mais velhas ou mais experientes são chamadas de rodadas, os homens preferem ‘as novinhas’ para poder ‘ensinar’, mulher confunde sexo com amor, barganha sexo em troca de amor, homem sabe e manipula isso, sexo é instrumento de poder na mão de homem (a nossa sexualidade é usada como medidor de caráter e são eles que validam isso e a gente aceita e concorda!). Olha, é tanto moralismo, tanta distorção… a gente não é considerada humana e muito menos transante.

É isso que o feminismo deveria discutir, e a mulherada feminista ou não deveria resolver dentro de si, pra depois poder falar sobre prostituição de maneira limpa, porque essa falsa preocupação é muito óbvia na sua raiz moralista.

Vamos desconstruir nossa sexualidade forjada pela cultura patriarcal? Depois a gente pode reconstruir eliminado os focos de conservadorismo, de romantismo, de machismo, e todas essas porcarias que impedem que a gente seja sexualmente livre de fato.

Por Joice Berth
Imagem destacada: Vista da instalação ‘Esplendor e Miséria. Imagens da Prostituição, 1850–1910’ no Musée d’Orsay (foto de Sophie Boegly, ©Musée d’Orsay, reproduzida daqui.

Comments

Comentários