Orientada a se calar, ela resistiu
Elizabeth Warren é uma mulher notável. Americana, mãe e feminista, foi professora de Direito Empresarial em Harvard por muitos anos. Enquanto exerceu a docência, dedicou-se a estudar a forma vil como muitas famílias pobres ficavam cada vez mais pobres por conta do sistema de crédito bancário norte-americano. Cansada de ver o sofrimento das pessoas, decidiu agir e travou uma briga de foice com Wall Street. Lembro dela contar, quando tive a chance de conhecê-la, da dificuldade que foi convencer os congressistas sobre a necessidade de se criar um órgão de proteção do consumidor. Destemida e determinada, Warren levou anos para tornar seu projeto realidade, e foi graças a ela que os EUA criaram uma espécie de “Procon” exclusivo para recuperar créditos cobrados indevidamente pelos bancos.
A história dessa senhora de quase 70 anos, que tem idade para ser minha avó, poderia parar por aí e já seria incrível. Mas ela vai além. Muito, muito além. Em 2012, ela foi eleita senadora pelo partido democrata, representando o estado de Massachusetts. Deixou a carreira acadêmica e, de lá pra cá, sua vida tem sido de luta em prol de pautas progressistas.
Em 2016, Warren despontou como uma das mais expressivas vozes na campanha presidencial, e várias foram as teorias de que ela seria convidada a assumir a vice-presidência caso Bernie Sanders saísse vitorioso das primárias. Hillary levou, mas Warren não esmoreceu. Criticou a colega de partido sempre que achou adequado, e em dado momento, mesmo com as divergências entre as duas, essas mulheres se uniram e deram sangue, suor e lágrimas para que as eleições fossem vencidas pelos democratas. Não deu certo, mas elas deram uma lição de vida para o mundo inteiro: não há divergência capaz de afastar quem luta por democracia e justiça social. O Brasil tem muito a aprender com elas, por sinal.
Não há divergência capaz de afastar quem luta por democracia e justiça social.
Desde a posse de Trump, Warren agigantou-se ainda mais. Ao sabatinar Betsy DeVos, indicada para assumir o Ministério da Educação norte-americano, Elizabeth Warren não deu trégua. Foram 16 páginas de perguntas e mais perguntas para a candidata. Tenho certeza absoluta que DeVos jamais esquecerá a sabatina. Warren escancarou para o mundo inteiro a incapacidade da republicana de liderar o Ministério da Educação dos EUA. Todas as tragédias anunciadas que acontecerem com a educação pública norte-americana a partir de agora não serão culpa de Warren.
Ela fez o que pode.
No dia da Marcha das Mulheres, Warren deu um discurso que emocionou a multidão. Chorei feito criança no meio de milhares de pessoas que me rodeavam enquanto ela gritava “não vamos construir muro estúpido nenhum”. Gritamos e ovacionamos essa mulher, que com sua garra, fibra e coragem, tem mostrado a todos nós, homens e mulheres, o verdadeiro significado da palavra resistência.
Essa semana Warren se viu diante de outra batalha. Durante a sessão do Senado Norte-Americano, que debatia a nomeação de Jeff Sessions para o cargo de Procurador Geral da República, Warren subiu na tribuna e começou a ler um trecho de uma carta da viúva de Martin Luther King Jr., Coretta King. A carta datava de 30 anos atrás, quando o mesmo Sessions estava para ser nomeado juiz federal. Nela, Coretta alertava que Sessions – atualmente um senador republicano – era racista e havia demonstrado todo o seu machismo em diversas situações. Ou seja, o cara é racista, machista e intolerante há três décadas, mas agora Trump achou uma boa ideia fazer dele o Procurador Geral da República.
Mas ela não se calou. Ela resistiu.
Claro que Warren não poderia deixar isso passar. Sua atitude brilhante de escancarar com palavras de Coretta King quem é o verdadeiro Sessions foi duramente criticada pelos outros senadores, que mandaram ela se calar. Mas ela não se calou. Ela resistiu. E sabe o que aconteceu? Eles, os senadores norte-americanos, PROIBIRAM Warren, uma senadora norte-americana, de abrir a boca em TODAS as sessões futuras que discutam a nomeação de Sessions para a Procuradoria Geral da República. Daqui por diante, ela pode estar presente às sessões, mas não poderá falar NENHUMA PALAVRA. NADA.
Porque é isso que o machismo faz quando se vê acuado: ele retira a fala do outro. O machismo não tolera ser questionado. O machismo não suporta ver uma mulher empoderada e inteligente na tribuna. O machismo não aguenta duras verdades. O machismo é birrento, infantil e imaturo. O machismo prefere nos dar um “cala boca” a argumentar.
Arte de Courtney M. Privett vista na página Feminist News
Por ser tão irracional, o machismo não se deu conta de que silenciar Warren foi uma das maiores bobagens que ele poderia ter feito. A #LetLizSpeak (#DeixeLizFalar) se espalhou feito fogo nas redes sociais. Milhares de pessoas saíram em defesa do direito de Warren se manifestar. Porque se nós, mulheres de voz e de coragem já não nos calamos, nós nos calaremos ainda menos depois desse piti do patriarcado. A verdade é que a imprensa inteira já está colocando Warren como a próxima candidata à presidência dos EUA.
Ontem Sessions foi confirmado pelo Senado norte-americano como Procurador Geral da República. Mais uma vez Warren nos demonstrou que sua força é inabalável. Em um post emocionante em seu perfil no Facebook, disse que o patriarcado tentou lhe calar, mas muito segura de si e de seus valores, deu o recado: “vocês acham que isso me assusta? Pois saibam que o que eu fiz foi só o começo.”
Porque é isso, sabe… O machismo pode até tentar, mas ele não consegue. Warren foi orientada a se calar, mas resistiu. E nós, mesmo orientadas a nos calar, seguimos resistindo. Segura, mundão.
Por Carol Campos
Imagem destacada: Elizabeth Warren no The Atlantic
Comments
Comentários