Eu não existo para consertar você

Algumas primaveras atrás eu andava transando, já há numerosos meses, com um cavalheiro maravilhoso que viria a revelar-se um meliante mentiroso. Ele tinha muitas falhas de caráter, incluindo uma grande falta de habilidade de comunicação, o hábito de priorizar exclusivamente suas necessidades, e a capacidade de expressar sentimentos românticos que não sentia. Tivemos várias conversas sérias sobre estas ditas falhas de caráter e ele prometeu que iria trabalhar no sentido de alterar-se de forma positiva. Infelizmente ele não se esforçou, de fato, para dar início a uma jornada de crescimento benéfico. Ele não partilhava do meu desejo de auto-aperfeiçoamento contínuo, e seu orgulho muitas vezes o impediu de reconhecer certas questões dentro de si mesmo.

Independentemente de sua relutância em reformar-se, ele estava sempre ansioso para ouvir o que eu pensava dele. Procurou-me, e declarou-se grato quando tirei o tempo para explicar-lhe. Uma noite em um bar, ele mesmo disse, “Você sabia que você está me tornando uma pessoa melhor?”. Eu fiquei lisonjeada ao ouvir isso, e também impressionada com o meu poder de transformação. Eu estava a ponto de transformá-lo em uma amostra mais extraordinária, e eu pensei que isso significava que eu tinha uma grande influência sobre ele. “Ele deve me respeitar”, concluí. “Se as minhas palavras estão moldando o seu núcleo de personalidade, isso é bom, não é? Sinto-me honrada por realizar esta tarefa que não pedi e realmente não queria.”

Agora, quando penso nele superficialmente sussurrando: “Você sabia que você está me tornando uma pessoa melhor?”, eu quero vomitar sobre o terno que ele usava desnecessariamente em eventos casuais. Eu não tenho a mesma perspectiva. Quando me lembro dessa conversa, grito em voz alta, “Ah! Foda-se!” Eu balanço minha cabeça quando lembro de mim sorrindo, segurando sua mão, e respondendo: “É bom ouvir isso…” Bom ouvir isso? Sério, Jess do passado? Por que foi bom ouvir isso? Quer dizer, eu sei por que: eu queria afetá-lo, de qualquer modo, se isso significasse que meu feedback sobre sua idiotice estava sendo absorvido por sua psique, então boa. Apesar de ter sido tão incrivelmente drenante para mim explicar constantemente e elaborar e envolver-me em conversas sérias, tudo muito frustrante, assumi que isso significava que ele me considerava uma pessoa sábia, observadora, alguém que ele levava a sério e escutava, porque ele estava se apaixonando loucamente pelo meu cérebro.

Mas na realidade, ele só me via como sua ferramenta de desenvolvimento. A espectadora humana que ele usou, feriu, esmagou e exauriu em seu caminho para a melhoria gloriosa, ou pelo menos em seu caminho para a talvez possível melhoria gloriosa. É claro que ele adorava ouvir meus pensamentos importantes sobre sua existência, porque se eu o analisasse ​​criticamente e dissesse-lhe exatamente o que ele precisava fazer para corrigir a si mesmo, então ele não teria que levantar um dedo. Me ter ao redor facilitou as coisas. Eu era sua vida, respiração, falar, andar, barômetro moral que o explicou o certo do errado e soou o alarme quando ele estava sendo vil e deu-lhe conselhos detalhados sobre como prevenir a sua bostice. Quando ele se comportava mal, eu estava lá para lhe dar um tapa na mão e dizer: “Moleque impertinente!” e apontar seus erros. Ele me queria por perto, simplesmente porque queria trabalho emocional gratuito que não devolvia, mas estava feliz em receber.

Ele não foi o primeiro homem hetero a me brandir como ferramenta oficial de desenvolvimento. Eu tive vários caras que chegaram com a expectativa de que eu iria considerar seus comportamentos, determinar os seus defeitos, e colocá-los para fora de seus egos frágeis. Estes indivíduos não tinham auto-consciência; se eles iriam gastar seu latim idiota para os amigos/colegas/a próxima mulher que perseguiriam, eles exigiam um terapeuta pro bono com quem eles também tivessem relações sexuais, a ouvir, tomar notas, e traçar um caminho sólido de progresso. E quando eles se desviassem do bom caminho, eles precisavam dessa empática fada madrinha/amante para informá-los sobre esta saída de pista e dar dicas de como voltar à ela. Eles podem não admitir que me contrataram para esta posição, ou até mesmo não terem consciência disso, mas nossas interações indicam que eu era a santa padroeira dos trabalhos complementares de orientação/boquetes.

Em vez de esses caras tentarem realizar este avanço pessoal por conta própria através de terapia, livros de autoajuda, diálogo com amigos, meditação ou auto-reflexão profunda, eles entregaram a responsabilidade de melhorar suas pessoas a mim. Quando eu dizia que eles tinham me perturbado por qualquer motivo, eles solicitavam que eu esclarecesse como suas ações repetidas ainda não estavam boas. Eu passava cinco horas fazendo isso, e então mais uma vez eles declaravam que eu era o anjo da guarda. Graças a Deus eu estava por perto para informá-los sobre quando eles estavam sendo rudes com ninguém e com todos. Eles estavam aprendendo uma lição sobre si mesmos a cada dia e agradeciam pela educação. Mas essa educação significava que meus sentimentos seriam brutalmente feridos pela desconsideração e egoísmo deles. Alguém ia se ferir na rota para o progresso, e eles estavam satisfeitos que não fossem eles.

Embora os homens heterossexuais sejam definidos como “todo-poderosos” pelo patriarcado, parece que uma boa parte deles é incapaz de auto-aperfeiçoamento independente. Existe uma péssima ideia machista difundida na sociedade que as mulheres existem para corrigir os homens. Que somos sua consciência. Sua alma. Seu lado mais suave. Nós trazemos o melhor deles para todas as situações, seja profissional, social ou romanticamente. Nos dizem que os homens podem ser eles mesmos conosco mais do que podem ser perante outros homens. Assim, estamos destinados a examiná-los e colocar um monte de tempo, energia e emoção para reparar suas peças quebradas. Uma life coach precisa estar presente para que eles possam aprender com seus próprios pontos fracos. Temos de ouvir, balançar a cabeça e reagir com empatia, mesmo quando eles não perguntam sobre nossos lamentos, tristezas, raiva ou mágoa. O trabalho livre muitas vezes não é igual em relacionamentos heterossexuais. Haveria uma diferença salarial caso alguém estivesse realmente recebendo um salário.

Tenho notado que o número de homens heterossexuais que conheço que estão em terapia é pequeno. Enquanto isso, a maioria das mulheres na minha vida está vendo um terapeuta, ou viu um no passado, ou estão abertas à ideia. O orgulho é um grande contribuinte para resistir a qualquer tipo de ajuda e, infelizmente, os homens são socializados para acreditar que vulnerabilidade é sinônimo de fraqueza. Muitos homens com quem falo não conseguem reconhecer os benefícios de deslocar o peso emocional de seus parceiros cansados ​​para um especialista de verdade.

Ainda no outro mês eu estava conversando com um homem que eu estava casualmente vendo na cama sobre como ele estava se sentindo para baixo, e como atingir metas era uma luta por causa de sua saúde mental. Eu tive depressão e ansiedade por anos, assim que eu entendia exatamente de onde ele estava vindo. Comecei a sugerir que ele falasse com um profissional, mas ele imediatamente me interrompeu para dizer: “De jeito nenhum. Foda-se. Eu não preciso de terapia.” Eu tentei elucidar os benefícios da mesma. Como ele provavelmente iria apreciar o processo e achar fascinante aprender muito sobre si, mesmo o que ele não podia entender antes.

“Mal não vai fazer”, insisti. “Quem sabe você não tenta?”

“Não”, respondeu ele. “Eu não preciso dessa merda. Eu estou muito bem.” Ele então começou a derramar suas entranhas para mim por mais uma hora e pedir conselhos e solicitar a minha análise até que eu literalmente caí no sono enquanto ele falava.

Embora eu seja normalmente gentil com os camaradas que sofrem com saúde mental, me vi ficando cada vez mais agitada e perturbada com a atitude e mente fechada dele. Estou ciente de que pode levar algum tempo para processar o conceito de falar com um estranho sobre seus problemas, mas esta é uma resposta instintiva popular entre os homens heterossexuais que eu conheço. Eles ficam totalmente confortáveis para entregar a uma mulher um romance de mil páginas sobre os seus demônios interiores, mas não para falar com um especialista? Eles não curtem a ideia de pegar um livro na biblioteca ou ouvir um TED Talk sobre a raiva ou ler um artigo sobre ansiedade? Eles não curtem a ideia de chorar sobre isso para seus companheiros ou de escrever em um diário ou distribuir o peso emocional? Bem, eles vão ter que aprender a curtir, porque não é trabalho de uma mulher fornecer trabalho emocional e pra mim chega de ficar até 4:00 da manhã tendo uma conversa unilateral sobre como eu posso ajudar a resolver os seus problemas.

É claro que vai haver crescimento mútuo em qualquer relacionamento e é isso que faz da interação humana algo tão bonito e mágico e vantajoso para todas as partes envolvidas. Aprendemos uns com os outros e é lindo testemunhar isso. Mas há uma diferença entre o crescimento mútuo saudável e o desenvolvimento ​​unilateral tóxico onde a balança está significativamente inclinada. Assim é menos uma parceria e mais uma dinâmica entre chefe e empregado: um parceiro consistentemente trabalha duro para melhorar a si mesmo e olhar para dentro e se esforçar para desabrochar como flor estável e o outro parceiro depende do esforço externo da namorada-professora e de estagiários emocionais não pagos para acender a chama da mudança potencial.

Todos deveriam tentar melhorar a si mesmos, independentemente da influência externa. Estou muito ocupada trabalhando em mim mesma para também levar 100% da carga do progresso do meu parceiro. Eu não tenho a energia para corrigir simultaneamente vários seres humanos, especialmente se as minhas emoções estão sendo feridas no processo. E eu definitivamente não tenho tempo para fazer isso sem cobrar por hora.

 

O texto original foi publicado, em inglês, no site She Does the City, e é de autoria de Jess Beaulieu, comediante stand-up, escritora, feminista e reclamona profissional. Tradução: Joanna Burigo.

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