Relato anônimo de um relacionamento abusivo

Durante três anos me relacionei com um cara e fui me perdendo no meio do caminho.

No início eu gostava dele; ele admirava minha inteligência, a gente fazia programas legais, ele era amigo de amigos com quem passamos a sair bastante. Ele nunca tinha criticado o fato de que eu tinha muitos amigos homens, não tinha ciúmes, era músico. Sensível a várias coisas. E eu fui me envolvendo cada vez mais.

Com o tempo, fui percebendo que algo não estava certo. Não sabia como ele fazia isso, mas sempre que nos desentendíamos, era uma luta minha convencê-lo que eu tinha o direito de estar chateada, mesmo quando ele achava que não tinha feito nada de mais. Ele dizia que eu era sensível demais, que via coisas onde não tinha, que tinha que ser mais independente, pensar mais por mim mesma. Distorcia as minhas palavras, fazia com que eu me sentisse louca. Eu questionava se estava pirando mesmo, ou se era ele que estava tentando me manipular.

Essas pequenas manipulações do cotidiano não condiziam com a minha realidade, com o que se passava na minha mente.

Sempre fui feminista, independente, sempre tive uma personalidade forte, sempre fiz as coisas por mim mesma, e nunca deixei que me manipulassem ou diminuíssem. Mas lá estava eu, vivendo o que hoje vejo claramente como gaslighting, manterrupting, machismo psicológico do mais alto nível por um mestre manipulador.

Com um ano de relacionamento comecei a me questionar. O que estava fazendo ali?! Não era bom, mas eu não conseguia sair daquele lugar. E me cobrava por isso. Fui fazer terapia quando pressionada por ele para morarmos juntos. Nesta época doei meu cachorrinho para uma prima, condição para que eu e ele morássemos juntos. Saí destruída dessa doação, e até hoje ainda estou me recuperando.

Quase um ano de terapia e o relacionamento continuava, eu estava em depressão, completamente irreconhecível para mim mesma. Minhas leituras, debates, amigos, prazer pelas pequenas coisas da vida, tudo sumiu. Minha energia estava focada em tentar fazer ele me entender, tentar fazer ele ver que eu não era louca.

Tentava dialogar, expor as mesmas coisas já expostas mil vezes antes, e mesmo assim só recebia distorção e vitimização da parte dele. Ele “era” a vítima!

A terapia foi me ajudando, dando enfoque a coisas que estavam perdidas até então para mim, e fui ganhando pequenos momentos de força. Já sabia sobre o que estava errado em mim, mas ainda estávamos juntos. Quase três anos de relacionamento. Estávamos numa fase melhor, mas ainda não estava legal para mim.

Foi quando descobri que estava grávida.

Antes mesmo de contar para ele, eu já sabia que ele não queria filhos. E já tinha tomado a minha decisão.

Esperei uns dias até reunir minhas ideias. E contei pra ele. Ele implorou para eu tirar o bebê. Implorou para esperarmos mais alguns anos. Mas eu sabia que queria manter o bebê. Sabia que tomar qualquer decisão que fosse de encontro ao que eu sentia seria como enfiar uma faca no meu próprio coração. E eu já havia me amputado demais.

Disse a ele que ele tinha duas opções: ou levar a gravidez comigo ou se afastar.

O relacionamento não durou.

Finalmente, aos oito meses de gravidez, empoderada pela forca da responsabilidade de gerar um outro ser, de passar uma referência positiva para minha filha, de mostrar que amar não é se anular, não é lutar para sobreviver, não é se amputar, amar não é sofrer, coloquei ele para fora de casa.

Hoje sou mãe solo, e ele pai de Facebook.

Estamos obrigadas a morar no Rio de Janeiro enquanto tramita uma ação na justiça para que a gente possa se mudar, e no momento eu e ele ainda brigamos pela pensão da nossa filha.

Foi horrível tudo que passei. Mas me reencontrar foi gratificante demais.

Passei por tudo isso, me reencontrei, e o processo demorou mais do que eu imaginava. Eu sabia o que tinha que fazer – mas não conseguia.

O feminismo, a minha filha e muita terapia me deram forças.

Hoje estou há quase dois anos solteira, focada na minha filha, e mesmo tendo passando por muita merda, sozinha, sou mil vezes mais feliz do que fui em qualquer momento naquele relacionamento.

Se você se reconhece neste texto, espero que consiga reunir forças para se reencontrar, no seu tempo, abraçar si mesma, e se amar!

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