Estamos em #Formation

O mundo é da Beyoncé, e nos últimos dias seu mais recente lançamento, a música/videoclipe #Formation, pautou conversas nas redes sociais e mídias tradicionais planeta adentro. Pudera: a Raynha usou o show do intervalo do Super Bowl, que comemorava 50 anos, para lembrar a América de um outro cinquentenário: o da formação do Black Panther Party. Com isso, a Deusa levantou poeira e causou ~polêmica no debate sobre relações de raça nos EUA, que ainda é tenso frente a movimentos como a campanha #BlackLivesMatter.

O assunto rendeu na Casa da Mãe Joanna, e algumas das nossas colaboradoras enviaram relatos sobre como esse fenômeno da cultura pop afetou suas vidas. Confira.

 

É perfeitamente possível elevar o pessoal e o político ao status de ULTRA COOL.

Por Thais Mendes

São tantas coisas que eu gosto em Formation, que eu nem sei por onde começar: Além do styling do video ser ridiculamente FODA, as gírias são do momento, as batidas te arrastam até o chão.

MAS, não é só isso.

Desde aquele fatídico album drop no final de 2013, Beyonce tem mandado recado atrás de recado de como se manter relevante no mundo pop: retomando o controle dos próprios releases, colaborando com produtores modernos, absorvendo referências da internet, ficando em contato com as gerações mais novas.

Mas a maior lição de todas é que pra se manter relevante, não tem mais como escapar do político. E mais: é perfeitamente possível elevar o pessoal e o político ao status de ULTRA COOL.

Em 2016, Beyonce declara, é oficialmente caído ser alienado, ser superficial, ser desligado do mundo – principalmente se você faz arte.

Em um mundo cada vez mais narcisista, cada vez mais consumista e preocupado com o próprio nariz, a maneira mais poderosa de jogar a luz do holofote em uma causa é abraçando a própria cultura e comunidade, com todas as suas peculiaridades, barreiras, e obstáculos.

Mas calma, não é porque ela cada vez mais se engaja politicamente, que a imagem fica de lado. Ta tudo ali em Formation: Givenchy, Gucci, afros gloriosos, jóias da Roc.

Mas é essa a jogada brilhante de Bey: para que o mundo dê ouvidos a uma mensagem de impacto, é necessário capturar os olhares – e os ouvidos! – primeiro. Quer lançar coleções de moda, quer criar aplicativos, quer fazer selfie? Faz, ué – mas não esqueça do resto, porque é o resto que importa. Tem gente morrendo, sem casa, sem espaço nem liberdade no mundo. Vai lá e forma a sua squad, porque como a gente bem sabe, a união faz a força.

Em resumo: BEYONCE SLAYS. Formou?

Lembremos: desde os tempos de Cher e Madonna, quem sempre dominou o mundo pop foram as mulheres. 

Por Joanna Burigo

Não é segredo, para quem acompanha a Casa da Mãe Joanna, que sou fã irremediável de divas, venham elas do tradicionalismo do samba ou jazz, ou sejam elas rainhas do pop. Tanto que temos a tag #DivaFeminism, na qual celebramos de forma relativamente superficial mas certamente honrosa, o empoderamento que a mera existência dessas divas (que aparece através do trabalho-arte-ativismo magnífico que elas produzem) pode nos conferir. Lembremos: desde os tempos de Cher, quem sempre dominou o mundo pop foram as mulheres.

Minha admiração (e gratidão) por estas mulheres incrivelmente bem-sucedidas começou no momento que ouvi “Like a Virgin“, da Madonna, aos oito anos de idade. Felizmente Her Madgesty esteve presente, e foi relevante, durante toda a minha infância, adolescência e juventude, e sua obstinação e compromisso com a iconoclastia nunca me deixaram esquecer duas coisas: sou livre, e o escrutínio social a respeito de mulheres livres diz mais sobre o moralismo controlador da nossa sociedade do que sobre estas mulheres.

Embora eu curtisse, e muito, as canções mais empoderadoras do Destiny´s Child (como Bootylicious, Bills, Bills, Bills e Survivor), somente fui me apaixonar pela Beyoncé quando do lançamento de Crazy in Love, que foi o hit absoluto de 2003. Que presença, que auto-confiança, que talento, que força… que mulher! Comprei álbum, camiseta, fui no show e tudo o mais, mas confesso que, naquela época, eu ainda não era feminista, por isso não prestava tanta atenção assim na meta-linguagem de igualdade de gênero à qual Bey sempre pareceu estar atenta.

Por isso, heresia das heresias, passei os dez próximos anos não dando muita bola para a moça, e antes de 2013 tinha até mesmo a petulância de questionar a validade de seu feminismo, por considerá-la um instrumento do male gaze. Fui, doloridamente, mas felizmente, corrigida por amigas negras que apontaram o absurdo do que eu nem imaginava que pudesse ser racismo arraigado: como eu, que sempre admirei a Madonna, poderia ter uma opinião tão negativa sobre a indumentária e posturas sexy da Beyoncé? É duro assumir seus preconceitos, mas preciso revelar (para mim mesma, acima de tudo) que essa desconfiança vinha de um lugar mais feio do que eu gosto de admitir…

Ainda bem que a gente aprende. E se não aprende por bem, aprende por Bey: em 2013 a mulher lança AQUELE álbum e, pela primeira vez na história do POP, sampleia um discurso feminista (da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie) em uma de suas canções, #Flawless.

E isso me traz de volta para a importância de #Formation.

Beyoncé é mulher e é negra, e embora seja indubitavelmente muito rica e poderosa, estou certa de que estas duas categorias identitárias contribuíram para sua formação política de forma crítica. Beyoncé, como Madonna e outras divas antes dela, sempre demonstrou atitudes feministas mesmo sem usar a palavra (um exemplo: sua banda de palco é, e sempre foi, composta de mulheres apenas, ok?).

Excepcionalmente inteligente, além de obviamente talentosa, Beyoncé sabe que a popularidade e abrangência de sua arte podem servir como plataforma para a propagação de mensagens sociais importantes. Com o álbum BEYONCÉ ela fez barulho pop acerca de vários temas tradicionalmente feministas, como a ditadura da beleza (Pretty Hurts) e o prazer do sexo oral para mulheres (Blow), sempre escolhendo fazer poucas acusações e optando por valorizar o que, tradicionalmente, recebe pouco mérito.

Bey demonstra não apenas compreender que fenômenos sociais ocorrem de forma sistematicamente injusta para certos grupos, mas também que trazer à tona essas injustiças é o primeiro passo para começar a revertê-las. Sua arte é pautada no discurso social de sua base de fãs. Com #Formation ela traduziu a habilidade que já tinha demonstrado, na seara das questões de gênero, para a das questões de raça. O simbolismo do afundamento do carro da polícia vai além da importante realização de que, sendo negro, os tiras significam ameaça muito mais do que proteção. Beyoncé afunda a polícia social que ainda regula e controla as vozes de mulheres, negros e outras minorias maiorias.

Beyoncé, amigos e amigas, é mulher, e negra, e a voz mais importante do cenário cultural atual. O que pode ser mais subversivo e revolucionário do que isso, num mundo feito por, e para homens brancos? Nada. E ela sabe. E, para eles, diz: BOW DOWN, BITCHES.

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