Estamos cansadas de sermos estupradas todos os dias
ESTOU(ESTAMOS) CANSADA DE SER ESTUPRADA TODO DIA E DE NOVO E DE NOVO E A CADA 11 MINUTOS.
Todas as mulheres que eu conheço sofreram algum tipo de violência sexual durante a vida. TODAS!
Minhas irmãs, minhas amigas, conhecidas… TODAS!
Algumas foram alisadas em boates, outras foram embriagadas e fizeram sexo com ‘consentimento’ do torpor da bebida, um número considerável são estupradas por seus companheiros diariamente e tem, também, aquela porcentagem que passou por vários tipos de abuso sexual em suas curtas vidas. Aí que estou!
Eu só tinha oito anos quando fui abusada sexualmente pela primeira vez – outras viriam com o passar dos anos. Eu ainda não tinha no corpo nem vestígios da mulher que ali nasceria, era apenas uma criança: sem seios, corpo miúdo e arredondado, cintura inexistente, bumbum reto, perninhas tortas e os dedos dos pés esfolados de correr na rua atrás de bola. Assertivamente digo que não havia nada de sexual em meu ser aos oito anos.
Eu era uma criança, mal sabia o que era sexo, mas ele sabia e quis me mostrar. Eu não sei porquê, ainda hoje, aos 29 anos, eu não sei. Ele era um senhor, um amigo da família, tinha livre acesso à minha casa e eu a dele. Ele se aproveitou de mim e de várias meninas da minha rua, abusava sexualmente de meninas pobres, dava-nos presentes com embrulhos de medo e ameaças.
Seguindo, faço um adendo para a atitude da minha família ao descobrir: disseram para eu me calar, não expor a família e ainda hoje convivem com o verme que me estuprou quando eu era uma criança. Depois disso não sei bem o que aconteceu da relação que eu tinha com alguns membros da minha família, diremos que ruiu. Sem contar minha relação com os homens, ah essas foram complicadas: virgindade extintas aos 20 anos por medo, uma carapaça dura sobre a sensível pele de menina assustada, ainda hoje dois insuperáveis pés atrás.
Bom, ao saber do estupro coletivo da jovem, no Rio de Janeiro, passei horas meio sem ação. Era como se eu revivesse, doeu. E me senti estuprada de novo e de novo e a cada 11 minutos – junto com outras brasileiras – outra vez. Mas não me surpreendi, a imagem que tenho dos homens não impossibilita que, ao meu ver, qualquer um deles possa fazer isso.
Faço esse relato porque eu tenho ganas de matar e morrer a cada vez que eu vejo uma vítima de abuso ser culpabilizada. ALGO COMO: VOCÊ É CULPADA POR ME FAZER SER UMA ANIMAL. What?
Ei, sociedade, eu (nós) não posso ser responsabilizada pela violência cometida contra mim. EU NÃO POSSO!
Aos oito anos eu nem entendia o que acontecia, podem me culpar? Aos 12 eu tive medo de morrer, podem me culpar? Aos 16 anos eu não entendi porque eu, porque de novo eu, podem me culpar? Hoje, se acontecesse, ainda sim, eu teria medo de morrer, podem me culpar?
PS: eu precisava falar, eu precisava muito, eu precisava tanto.
Por Sandra Cecília Peradelles
Imagem destacada: daqui
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