Vai ter trans e vai ter igualdade de gênero na universidade sim
No último final de semana milhares de brasileiros correram para chegar no horário e realizar o Exame Nacional do Ensino Médio. Foram 7.746.057 inscritos no Enem deste ano e o índice de abstenção foi de 25, 31% no primeiro dia, menos que no ano passado. Entre gestantes e lactantes, mais de 19 mil mulheres resolveram a prova. Mulheres essas que se somaram a outras 278 mulheres: as transexuais.
Mulheres transexuais são aquelas que nasceram em um corpo masculino, mas nunca se identificaram com o mesmo. Assim elas realizam algumas alterações no corpo para que se sentirem de acordo com o gênero com o qual identificam (feminino).
No país que mais mata travestis e transexuais no mundo, o número de candidatas trans que solicitaram o uso do nome social na realização da prova praticamente triplicou no ano de 2015, já que no ano passado foram apenas cerca de 100 inscritos que fizeram a socilitação. Atualmente 90% das transexuais e travestis brasileiras estão na prostituição, sendo que 65% desistem de estudar antes da metade da vida escolar. Destas poucas que continuam nas escolas, 90% sofreu/sofre violência na unidade de ensino, sendo que em 70% dos casos é violência física e 35% não receberam nenhuma ajuda.
No Enem deste ano as candidatas trans puderam optar pelo uso do nome social no momento da inscrição, via internet, diferente do último ano em que precisavam fazer uma solicitação via telefone. Assim elas seriam chamadas pelo nome com o qual se identificam (e não pelo da identidade), evitando constrangimentos desnecessários. Ou a forma que ela é chamada diz respeito a mais alguém que não ela?
Reforçando os dados citados acima, a maioria das candidatas queixou-se do tratamento na hora da prova. Não tiveram o nome social respeitado, ouviram piadas e foram ridicularizadas por fiscais sem qualquer preparo e arrisco dizer que sem sensibilidade e educação, já que fizeram questão de reforçar que o que a sociedade faz diariamente: condena a trans por estar na esquina, mas não deixa com que ela saia de lá.
Contrastando com a vida real, na prova a filósofa francesa e ícone feminista Simone de Beauvoir esteve presente em uma das questões do Enem. A célebre frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino” fazia parte da pergunta que dizia: Na década de 1960, a proposição de Simone de Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento social que teve como marca o(a) e dava as cinco opções de resposta ao candidato. A prova trouxe ainda Weber, Hobbes e Nietzsche nas questões do primeiro dia.
Na redação o tema não poderia ser mais pertinente já que o Brasil está em sétima posição no ranking mundial de homicídios de mulheres e registrou aproximadamente 44 mil assassinatos de 2000 a 2010, sendo que cerca de 40% destas perderam a vida pelas mãos de companheiros ou ex-companheiros. No país a cada 12 segundos uma mulher sofre violência.
“A persistência da violência contra a mulher” foi o tema deste ano e assim como a citação de Simone deixou muita gente sem saber o que responder. Isso porque a realidade enfrentada pelas mulheres brasileiras, apesar de gritante através dos números (inclusive o Rotta já apresentou os números assustadores registrados em Passo Fundo), é ignorada pelas autoridades, pelo Estado e pela sociedade que naturaliza a violência física, psicológica ou nas demais apresentações que são sofridas diariamente pelas mulheres (nascidas ou tornadas).
Na internet as manifestações acusaram o MEC de tentar doutrinar os inscritos. Se for para doutrinar contra a violência de gênero e por mais respeito à próxima: que assim seja!
Por Ingra Costa e Silva
Ilustração: Camila França
Artigo originalmente publicado no Jornal Rotta e reproduzido aqui com permissão da autora.
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