A popularização do Feminismo te incomoda?

Essa é uma pergunta muito sincera. Porque se a resposta for sim, precisamos conversar.

Querida amiga feminista, hoje muitas mulheres se posicionam como feministas, e por incrível que pareça existe uma pequena parcela até mesmo dentro do próprio movimento feminista que se mostra incomodada com isso. Se você faz parte dessa corrente, por quê?

Qual o problema da popularização e até da identificação com o feminismo cada vez mais cedo?

Algumas pessoas vão dizer que é por falta de leitura, e eu queria saber quando existiu uma bibliografia básica para se posicionar como uma mulher pró equidade de gêneros?

Querida se você está mais incomodada com as feministas do que com o machismo ou o racismo, acho que é hora de refletir.

Existe realmente uma parcela entre nós que diz não aguentar mais esse feminismo na internet, e a forma como virou “moda” ser feminista. Como se isso fosse um problema estrutural a ser combatido.

Não posso fingir que não existe um viés racista e elitista nisso tudo, né queridos. E é por isso que precisamos ter essa conversa.

É impressionante como as mulheres negras estão falando por si, criando movimentos, e protagonizando a própria história. Isso não é de hoje e nem vai mudar. Quando conseguimos lutar por tantas coisas e a protagonizar nossas lutas e debates? Afinal a mulher negra é a representante de muitas opressões, entre elas: raça, classe e gênero. Isso acabou se tornando um incômodo, quando ganhou visibilidade. Aparentemente nossas pautas são iguais ou próximas, porém também divergem e não existe problema nisso se houver diálogo. Porém diálogo pressupõe abertura da parte dominante.

Por isso me soa que a ascensão do movimento feminista negro incomoda!

E as críticas, se feitas diretamente, seriam vistas como racismo, mas acabam sendo feitas de forma indireta, com discursos ao estilo: não aguento mais o feminismo na internet, não aguento mais os textões, não aguento mais a popularização, moda e afins.

Os discursos populares incomodam.

Pois o popular é sempre visto como o do povo, ‘coisa’ de pobre. E no Brasil isso tem cor. Por isso estamos:

Incomodando homens brancos, que se vêem afrontados por quem não quer mais ser sua empregada e/ou a mulher assediada às escondidas.

Incomodando homens negros, que se vêem na corda bamba quando seu machismo é confrontado.

E…

Incomodando mulheres brancas, que se vêem sem rumo quando seu feminismo perfeito passa a ser questionado e tirado do centro.

É.

O que chama atenção é como mulheres brancas, que tanto clamam por sororidade, se mostram insatisfeitas quando o feminismo negro começa a ganhar destaque. Não somos irmãs? Não somos todas amigas? Parece que a irmandade só serve para o grupo seleto que está ao seu redor. Se é uma questão de leitura, intelectuais negras feministas como Grada Kilomba já falaram sobre sororidade:

“Feministas ocidentais foram e são aficionadas pela ideia de “Sororidade“. O termo refere-se a um universalismo entre mulheres. Elas conceitualizam mulheres como um coletivo, de gênero comum, um grupo oprimido em uma sociedade patriarcal. O termo “sororidade“ assume a crença geral numa união entre todas as mulheres do mundo – as irmãs – e um anelo por cumplicidade feminina sem um mundo dominado pelo masculino. Quando contextualizada, essa ideia pode ser muito empoderadora, mas caso não seja, ela perpetua uma falsa e simplicista suposição que nega a história da escravidão, do colonialismo e do racismo nos quais as mulheres brancas usufruíram do poder masculino branco, tanto sobre mulheres negras, quanto sobre homens negros.

Esse modelo de mundo dividido em homens poderosos e mulheres subordinadas tem sido veementemente criticado por feministas negras, primeiro, porque nega estruturas de poder racistas entre diferentes mulheres; segundo, porque não é capaz de explicar porque os homens negros não lucram com o patriarcado; terceiro, porque não considera que, graças ao racismo, o conceito de gênero no caso da mulher negra é construído diferentemente do conceito de feminilidade branca; e finalmente, porque esse modelo implica um universalismo entre mulheres que coloca gênero em primeiro lugar e como único foco da atenção, e a partir do momento em que ‘raça’ e racismo não são pautados, ele relega a mulher negra à invisibilidade.”

(Tradução Aline Djokic. Grada Kilomba: Plantation Memories. EpisodesofEverydayRacism, p.56.)

A Grada Kilomba incomoda. As mulheres que usam a sua vizinha, mãe e tia como referência feminista incomodam.

As feministas que não entendem sobre a empatia para entender o outro lado se mostram extremamente agressivas e incomodadas.

O que mais vejo é mulheres brancas reclamando: Não aguento mais problematizações no feminismo.

Mas amiga estamos no feminismo para o que? Para fingir que está tudo bem e tomar chá com biscoitos?

Se essa é sua posição, ok. Respeito ela, mas não posso deixar de criticar as estruturas de classe e raça que permitem isso, sendo eu uma mulher negra.

É, deve ser MUITO complicado lidar com negras apontando apropriação cultural, privilégios nos mais diversos campos, não adianta mais falar que ganhas os menores salários quando exploras a empregada doméstica. Deve ser tenebroso ver negras dizendo que relações amorosas são construções sociais. Pior de tudo, deve ser horrível ver esse discurso ganhando força e, ao contrário do que se prega, não de forma agressiva.

Pois não somos negras barraqueiras agressivas. Estamos apenas discordando por meio de produções, textos, narrativas. Então a única saída é deslegitimar os meios. E ai surge a crítica à popularização do feminismo.

Critica-se blogs, páginas e perfis do Facebook. Afinal o feminismo popular não é necessariamente feito por quem está na academia.

É muito difícil ver uma negra problematizando o fato de você ser racista e gozar os privilégios disso, e isso ser visto como legítimo. Sem ela precisar ter lido milhares de textos em diferentes línguas, ou pior, ter lido todos esses textos e mais outros vindos de mulheres negras como ela.

É insuportável as negras acadêmicas que leram os mesmo livros e até mais que vocês. É insuportável os negros que não “perdoam” o racismo, que não aceitam as “desculpas”, que não se prestam ao papel de agradar branco. Afinal, como assim essas negrinhas de 22 anos não querem aceitar o que eu acho?

É insuportável as negras tendo suas falas compartilhadas e idolatradas.

É insuportável negras com diploma.

É insuportável as negras domésticas querendo direitos.

É insuportável ver, ouvir, ler essas negras!

Então a saída é falar mal do feminismo na internet, mesmo que ele tenha possibilitado espaço para quem não pode frequentar reuniões nas áreas centrais, pois demora três horas pra ir da periferia ao centro. Mesmo que as negras, agora por meio de status, possam falar livremente, sem precisar ficar criando sites, afinal quanto é mesmo o domínio de um site? Quanto tempo se requer para manter um site?

E uma pergunta: quantas mulheres negras fazem parte das suas redes sociais?

Na minha, tenho várias mulheres não negras e negras, e vejo isso como uma característica que feministas brancas não possuem; a diversidade de olhares e discursos é bem limitada, e mesmo assim algumas se sentem no direito de criticar uma pequena – repito: pequena! – popularização no feminismo!

Mas esse feminismo que lacra, esse feminismo que chama negras de divas, esse feminismo das curtidas do Facebook, ele é um grande problema num país tão racista (que nem o famigerado quartinho da empregada conseguimos superar)?

O problema é o que está acontecendo, ou quem não gosta do que está acontecendo?

Mesmo que o feminismo na internet tenha popularizado o feminismo.

Qual o problema disso?

“Mas agora é moda ser feminista.”

Que moda maravilhosa essa, num país onde vemos ascensão de discursos de extrema direita, mulheres negras morrendo duas vezes mais que brancas… e ninguém indo para rua por isso. Que moda maravilhosa quando homens estupradores e assassinos podem frequentar os mesmo espaços que você, afinal “ele só matou uma mulher”. Que moda bem vinda no país do feminícidio, da pobreza com gênero e cor, e das meninas que mesmo crianças “casam” para sobreviver.

Repito o que já disse em outro texto, as mulheres que gozam de privilégios, que reclamam do feminismo da internet na internet, que podem ler textos feministas em outras línguas, que não precisam se preocupar com os rumos que o Brasil vem tomando, pois nem no Brasil moram. Essas! Essas que não precisaram lutar para comer, porque eles não estão indo atrás das políticas públicas que melhorariam a vida da maioria das mulheres? Porque elas perdem tempo se preocupando com o que negras falam e os elogios que dão para negras, ou com uma popularização do feminismo que acontece um pouco no campo midiático, mas não ainda político?

Afinal é por meio de #hashtags, textões e “mimimis” que mais mulheres vão vendo que o feminismo é sobre TODAS, e não sobre o grupinho seleto das acadêmicas e mulheres que gozam da liberdade de achar que a pauta principal é o salário dela ser menor que o de homens.

Homens brancos, estou aqui para lembrar, homens negros ainda ganham menos que mulheres brancas.

Então sim, eu entendo alguns, que se vêem as vezes sem pautas, pois não conseguem comprar a briga das mulheres pobres, se incomodando, por exemplo, com negras sendo chamadas de “divas”. É muita mulher branca incomodada para pouca negra e/ou pobre ocupando os espaços que elas sempre tiveram. Talvez seja o medo que um sejamos maioria – nos sites, nos blogs, na academia, no palanque, onde for. É muito medo branco, para pouco direito conquistado para negros.

Por favor amigas, não sejam, essas pessoas!

 

Por Stephanie Ribeiro – diva, deusa, lacradora e que, felizmente pra todas nós, não cansa de tombar. <3

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Ana Clara Delajustine

Uma psicóloga feminista em luta por mais afeto. Implica com a linguagem sexista e acaba com a graça em piadas machistas. Vive de amores. É uma multidão e explosão de sentimentos. Inquieta, teimosa e bruxa, tem fé nos encontros do mundo.

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Formada em publicidade e propaganda, 23 Blogueira do site humanista secular Bule Voador.

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Artista, artesã, designer – é o que costumo colocar nos cartões de visita. Ler e acumular livros de variados assuntos são tradições familiares. Já sonhei ser arqueóloga, pensei em cursar História, Filosofia, Sociologia ou Arquitetura, mas acabei escolhendo Artes, onde posso misturar tudo isso. Gosto de viajar pelo mundo, mas sempre volto para casa. Sou curiosa por natureza e tímida que fala pelos cotovelos se tomar muito café ou vinho. Mãe por opção e determinação. Para uns, sou muito certinha e para outros, muito doida. Na verdade, sou um pouco de cada.”

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Camila França

Camila França
Formada em Moda pela Udesc (2005) e pósgraduada pelo SENAC (2009) em Florianópolis, trabalhou por oito anos na indústria da moda como estilista. Em 2013, partiu em busca de qualidade de vida e atualmente dedica quase todo seu tempo ao desenho. Frequenta aulas de Artes Visuais a fim de conhecer e desenvolver sua própria poética. Seus desenhos exploram o universo feminino com técnica mista, grafite, nanquim, aquarela, marcadores e tinta acrílica.

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Jornalismo é a formação, produção de moda é o ganha-pão, escrita é a paixão. Radicada em Londres há mais de uma década, estudou no London College of Communication e depois foi trabalhar com um bocado de gente grande, de Adidas à Ivete Sangalo, da TPM à Vice, e gostaria de largar tudo e só escrever. Além de feminista, é progressista, ateísta, e uma porção de *istas* que causam desconforto por onde passa. Mãe de uma garotinha de 4 anos, com quem divide uma paixão por filmes japoneses e contos de fadas subversivos.

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Thaina Battestini Teixeira

Thainá Battesini Teixeira, é gaúcha e tem 23 anos. Está no último ano de graduação em História pela Universidade de Passo Fundo – UPF e é bolsista de iniciação cientifica – CNPq pesquisando as Fontes Visuais Impressas: Possibilidades de Pesquisa: Os papéis sociais atribuídos ao gênero feminino na Revista KodaK. Milita pelo Coletivo Feminista Maria, vem com as outras! e participa da organização da Marcha das Vadias de Passo Fundo no Rio Grande do Sul.

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Formada em jornalismo, é  goiana, vira-lata, caçula de sete e doidinha de amores pela vida.
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Em 22 anos de Porto Alegre (RS), cursou Comunicação Social sem ter certeza do que estava fazendo – e formou-se jornalista sem destino definido. Felizmente, está se realizando na esquina entre o feminismo e a informação. Escreve para (sobre)viver, aventura-se no audiovisual e é fascinada por todo tipo de linguagem. Aparece regularmente por aqui.

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Patricia Chiela

Gosto de gente, de relações, de vida, de ajudar as pessoas a mostrar o valor do seu negócio, de ver uma empresa ir em frente, ser forte. Tive minha agência de comunicação por quase cinco anos, atuei em áreas de planejamento e também com inovação e gestão de pessoas. Paralelo a isso, como consultora, tive a oportunidade de dar vida para mais de uma dezena de empresas, ajudar tantas outras no processo de reposicionamento e ver surgir diversas campanhas e marcas. Hoje, estou a frente da Patrícia Chiela Estratégia de Marca, que atua para que a comunicação e o marketing ajudem uma empresa a olhar para frente, profissionalizar o negócio, construir o seu valor e prosperar.

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Estou me graduando em ciências sociais pela UFSC, interessado em tudo que possibilita questionar a condição humana e os infinitos problemas derivados do pensar abstrato; consumidor assiduo do incomum, non-sense, trash-cômico e da musica contemporanêa, crio musicas como “vinolimbo”.

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Lucas Rezende Busato
Homem, branco, cis, hétero, reconhecedor do próprio privilégio: FEMINISTA.
Arquiteto e designer por formação, [des]construtor de espaços por ideologia.
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Belle Kurves likes to cock a snook at the whole silly patriarchal system.
An explorer, Belle is about to set sail on a voyage of discovery that will be  her toughest expedition yet.  Look out for her dispatches from the frontier as Belle Kurves embarks on a quest to find the “new truth” foreshadowed by Hester Prynne – the key to establishing “the whole relation between man and woman [indeed all genders] on a surer ground of mutual happiness.
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C.rox, cigana vestida de aquariana transitando pelo mundo das artes. Gestora Deusa/Louca/ Feiticeira da Casa de Cultura Vaca Profana em Passo Fundo-RS. Produtora cultural e feminista até o caroço.

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Advogada especialista em direito público e de família, vegetariana e meia maratonista. Não convida se não tiver vinho. Chora toda vez que vê uma ovelha.

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Beatriz Demboski Burigo

Estou no caminho pra uma graduação em Ciências Sociais, na UFSC em Florianópolis. Gosto muito do ativismo dos movimentos sociais, mas a minha praia mesmo é o backstage e o olhar sociológico sobre tudo. Sou de humanas, mas nem tanto! Amo antropologia, assim como amo falar sobre cultura pop, gênero e feminismo. No momento, pesquiso oficialmente sobre sociologia da educação, que é mais uma de minhas áreas de interesse.

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Uma figura que vai variando entre a curiosidade sobre pessoas e lugares e o interesse por culturas e olhares. Psicóloga, metida com psicanálise, política e sociedade. Poeta de boteco, cervejeira de calçada, cantora de chuveiro. Enfim, mais um mistério do planeta.

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A meliante Ana Emília Cardoso é uma jornalista curitibana, com passagem por Florianópolis onde esteve detenta em mestrado de Sociologia Política. Por questões de segurança foi transferida para Porto Alegre e está em liberdade condicional. Trabalha com moda e pesquisas, tem 2 filhas, um marido famoso e acredita que pode mudar o mundo empoderando as mulheres.
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Vestibulanda de letras. Desengonçada com a vida e jeitosa com as palavras. Possui diversos pseudônimos, intencionada a desnudar-se de aparência e travestir sua alma com novas visões de mundo. Queria ser Maria. Descobriu-se feminista há não muito tempo, e tem muito que aprender.

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Fê Cacenote, fotógrafa amadora (por amor) e profissional (por profissão) no projeto FEMMA Registros Fotográficos. Viajante espacial do mundo das ideias, colaboradora na Casa da Mãe Joanna, Casa de Cultura Vaca Profana, Coletivo Feminista Maria, vem com as outras!.  Vegetariana, amante das coisas que a natureza nos dá e feminista em eterna (des)construção e aprendizado.
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Comunicação social, educação e feminismo – não necessariamente nessa ordem. Já trabalhei em agências, produtoras, departamentos de marketing, escolas, projetos sociais e até no Coliseu (esse mesmo). Tudo isso, em diferentes graus, em Porto Alegre, Florianópolis, Madri, Roma, Dublin e Londres, onde fiz um mestrado em Gênero, Mídia e Cultura pela LSE. Mas eu saí de Criciúma, SC.

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Maitê Weschenfelder

Acadêmica de Jornalismo e amante da fotografia, passeia entre o lírico do cotidiano e o drama de vidas reais. Uma jovem, louca, livre e solta. Sonha com igualdade e justiça social.

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Emanuelle Farezin

Formada em jornalismo e apaixonada por pixels, trabalha com projetos de mídia. Faz do feminismo seu impulso diário.

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