Considerações sobre modelos legais da prostituição

Para as pessoas que estão confusas e acompanham o debate sobre prostituição, seguem algumas considerações sobre os modelos legais da prostituição existentes ao redor do mundo e seus efeitos para prostitutas.

Nos últimos dias ocorreram uma série de ataques em massa de grupos que defendem a criminalização da prostituição, cafetinagem e turismo sexual, acusando prostitutas que defendem outras alternativas, aos modelos punitivistas, de serem, entre outras coisas, reprodutoras da cultura do estupro e dos machismos.

No entanto, é importante a divulgação de informações e, acima de tudo, conhecimento e ponderações a respeito do que se trata o mercado do sexo, para que, em nome, de uma suposta proteção a essas mulheres das explorações do mercado do sexo, não se incorra, em mais estigmatização, marginalização e punição a um grupo já historicamente excluído.

Em nome de esclarecer algumas das dúvidas pairando sobre conceitos básicos referentes a prostituição e a lei, vou descrever os quatro modelos básicos legais que lidam com essa questão.

1) Regulamentação – A ideia de regulamentar a prostituição como qualquer outro trabalho, de forma mais ou menos restritiva. Mais restritiva seria no estilo das casas fechadas francesas do século XIX, onde mulher era virtualmente uma prisioneira. Menos restritiva seria no estilo de regulamentação voluntária — quem quer direitos e deveres trabalhistas faz, mas é opcional e não proíbe as pessoas de trabalharam sem se regulamentar. Cooperativas controladas pelas trabalhadoras sexuais seriam comuns nesta forma. Idealmente, parece que é isto que a Rede Brasileira das Prostitutas quer para o Brasil.

2) Abolicionismo – A ideia de trabalhar para o fim da prostituição, sem vitimizar o criminalizar as prostitutas. Brasil é, oficialmente, abolicionista e a Suécia também é. Leis miram em cafetões e clientes. O problema com o abolicionismo é que ele não funciona: em um século dessa política, nenhum país conseguiu eliminar ou mesmo reduzir significantemente, a prostituição. Outro problema é que mesmo que as leis não mirem diretamente nas prostitutas, elas ainda podem as afetar. Na Suécia, por exemplo, a lei anti-compra do sexo é frequentemente usada para prender e registrar prostitutas. Embora essas não sejam criminalizadas, são sujeitas a outras sanções pelo Estado: podem perder a guarda de suas crianças; podem perder seus apartamentos ou propriedade; podem ser expulsas do país, se fossem estrangeiras. A lei anti-compra da Suécia puniu somente 700 homens em 10 anos, mas prejudicou milhares de mulheres prostitutas. É difícil, então, argumentar que seu alvo principal sejam os clientes.

O abolicionismo brasileiro é ainda pior. Os artigos 227-231 do código penal não miram, especificamente em “exploradores” mas literalmente em toda e qualquer pessoa que pode se interagir com uma prostituta. O artigo 230, por exemplo, a suposta lei “anti-cafetão” também criminaliza toda e qualquer pessoa que recebe dinheiro de mulheres prostitutas por qualquer fim, inclusive suas colegas de casa, suas parcerias afetivas, e até seus filhos adultos. Uma mãe prostituta que, por exemplo, pague a universidade de sua filha adulta transforma aquela filha em exploradora sexual, de acordo com o Arrigo 230. O efeito das leis brasileiras, historicamente, tem sido o isolamento social das prostitutas, que são gerenciadas direta ou indiretamente pela polícia. Historicamente, as mulheres que trabalham de modo independente são marcadas por repressão, usando essas leis para as forçaram a trabalhar em áreas como o antigo Mangue, sob o gerenciamento policial.

É mister perguntar o que aconteceria no Brasil se tentássemos adotar a criminalização da compra de sexo, sendo que os verdadeiros controladores dos puteiros são a polícia. Minha previsão é que os puteiros da classe A serão camuflados como clubes privativos como nos EUA. Enquanto isto, também como nos EUA, a prostituição pobre será altamente reprimida e os homens presos transformados em escravos em nosso novo sistema carcerário privativo. De novo, isto já tem acontecido nos EUA e é isto o modelo que o governo Temer tem em mente para a segurança no Brasil.

3) Proibicionismo – Isto é a política dos EUA, que criminaliza tanto os clientes, quanto as prostitutas, Prende-se 60,000 prostitutas por ano nos EUA e essas mulheres são tratadas como criminosas sexuais, com fichas policiais permanentes. Também prende-se milhares de clientes. Todavia, essa carceralização completa da prostituição não a eliminou, nem a reduziu. A única coisa que fez, como a Guerra contra as Drogas, é encher as cadeias.

4) Descriminalização – Essa é a política de Nova Zelândia e é, talvez, a mais bem sucedida do mundo. Nisto, o Estado não faz NENHUMA lei referente a prostituição e direciona os recursos para tais coisas como a repressão de estupro, tráfico, sequestro, exploração sexual de crianças e etc. Prostituta e cliente não podem ser presas. Da mesma maneira, como o trabalho não é regulamentado, não pode se montar grandes empresas comerciais de sexo. Neste modelo, cafetão não existe: homem que rouba dinheiro da mulher ou a força fazer qualquer coisa que não quer é tratado pelas leis referentes a roubo, assalto, tráfico humano, ou prisão privativa/escravidão. Tudo indica que a Nova Zelândia tem tido excelentes resultados com essa política, reduzindo a violência contra as prostitutas, o tráfico, e a estigmatização social. Pessoalmente, é isto que gostaria de ver no Brasil, pelo menos como passo preliminar.

Os dados do texto são da pesquisa sobre prostituição e modelos de regulamentação feita pelxs antropólogxs Ana Paula da Silva (e também autora do texto), professora na UFF, e e Thaddeus Gregory Blanchette, professor da UFRJ. Silva é atualmente presidente da ONG Davida. Imagem destacada: manifestação pelos direitos das trabalhadoras sexuais, via LatinoUSA

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