Backlash: O Conto da Aia
Uma discussão importante no feminismo é o conceito de backlash: enquanto a sociedade avança rumo à equidade de direitos, existem também campanhas para que os avanços conquistados se percam.
Nenhum direito é permanente. Um exemplo é a luta constante nos Estados Unidos para a manutenção ao direito de escolha. Ele fala uma força maior que luta pela manutenção de uma mentalidade conservadora, um retorno à uma vida idílica mais simples onde “homens eram homens e mulheres eram mulheres”. Falam de uma existência biológica não realizada, falam que o lugar de mulheres é na cozinha, porém, de forma sutil.
Trump atualmente representa esse tipo de noção chegando ao poder (MAKE AMERICA GREAT AGAIN, o slogan usado durante a campanha), ele quer cortar fundos do planned parenthood, que seriam clínicas que realizam abortos baratos, tornando-os universalmente acessíveis.
A famosa imagem da Rosie Rebitadora foi sucedida
pela imagem da bela dona de casa dos anos 50.
Um grande e maravilhoso exemplo de backlash.
Quando vi o documentário: “She’s beautiful when she is Angry” (que última vez que vi era disponível no Netflix) uma coisa que me chamou atenção foi: As filhas das feministas da segunda onda não eram necessariamente feministas. Nem lhes foi cobrado isso. Porém o documentário termina com uma dessas feministas falando: “A qualquer momento eles podem nos tirar nossos direitos que conquistamos.”
“E se minha filha não for feminista?”
Por circular há algum tempo nos meios feministas, muito vi moças falando: “Minha filha será feminista”, da mesma forma que pessoas de esquerda falam: “Serão de esquerda, meus filhos.” O que parece pessoas falando que passarão geneticamente a seus filhos por exemplo, a paixão a um certo time de futebol.
Na pequena cidade onde moro, existe um caso famoso de um neto, cujo pai e avô eram comunistas combativos… Que se tornou de direita. Os filhos são quem são. Infelizmente isso pode vir contra nossas ideações sobre os mesmos. E contra tudo o que temos por importante em visões de mundo. Faz parte.
Conto da Aia, o Livro
Sim, assisti a série. Maravilhosa. Infelizmente, ela oculta em sua primeira temporada um personagem importante: A mãe da Aia que narra a história.
Alguns fatos interessantes: O livro de Margaret Atwood é escrito em 1985. Ela é canadense. Em seu país, o aborto foi descriminalizado em 1988. Em Gilead, que faz fronteira com Canadá, o aborto não era crime. Pelas descrições do livro da situação anterior de Gilead, parece que antes de possuir esse nome, Gilead teria o nome Estados Unidos da América.
A Aia sempre se lembra de sua mãe, descreve-a de maneira pejorativa. A relação entre mãe e filha tinha muitos atritos e pontos em que as duas discordavam. Para quem viu o documentário She’s Beautiful When she’s Angry, a mãe da Aia soava como uma daquelas feministas de segunda Onda que tanto combateram pelos direitos das mulheres.
“Você foi uma criança desejada (…) Dizia isso pesarosamente como se eu não tivesse acabado por me revelar inteiramente como ela havia esperado” (Posição 2819 Ebook Kindle)
A Aia critica sua mãe por sua postura radical, pelo fato de usar macacão, pelo fato de ser diferente. A amiga feminista e combativa Moira admira a mãe da Aia. Ela sabe que ambas se saiam bem como podiam, como a maioria das famílias podia. A mãe dela havia sido mãe solteira, a criado sozinha. Ela quis ter a filha. Foi sua decisão.
Filhos idealizados não são pessoas reais. Filhos possuem uma identidade própria, desligadas de nós. A expectativa muitas vezes não corresponde a realidade que temos diante de nós e com a qual somos obrigadas a lidar.
Quando desce o golpe, ela não fica sabendo do que acontece com sua mãe. Passa algumas semanas sem falar com a mesma, porém é tranquilizada pelo marido e ignora a questão mais um tempo. Igualmente ela segue sem notícias da mãe. Até que em determinado momento, resolve ir na casa da mãe e ver o que aconteceu. O apartamento estava revirado, bagunçado. Ela descobriu tarde demais que a mãe havia sido levada.
Apenas quando reencontra Moira, ela descobre o destino de sua mãe: Era uma mulher idosa, que não se adaptava ao novo regime: Fora enviada para as colônias para limpar lixo tóxico, o pior destino possível. Mulheres mais velhas que já tiveram filhos se tornavam Marthas (uma espécie de governantas) ou Tias (reafirmadoras de Regime). A Aia, no entanto, fica aliviada. Ao menos sua mãe não estava morta.
Na série, a personalidade da mãe é parcialmente absorvida pela personagem Moira, amiga da Aia narradora. A mãe é completamente apagada. Nunca mencionada, ao menos não no primeiro ano da série. O produtor havia mencionado que Handmaid’s Tale não era uma série feminista. Não é seu interesse reafirmar a história do movimento feminista.
Também o contraste entre uma mãe altamente combativa e a própria Aia a faz parecer passiva diante dos acontecimentos. Domesticada. Menos próvavel de causar simpatia ao público. Afinal, ela foi criada por alguém similar a sua amiga Moira. E quis se abster até o último minuto. Coisas acontecem com ela. Ela sobrevive a essas coisas e as observa. E no fim, não pode sequer contar sua própria história por si, como o epilogo mostra.
Nós não somos a primeiras, não seremos as últimas
Existe uma música , do Depeche Mode, chamada It Doens’t Matter II. Tenho um carinho particular por essa música. Principalmente por conta de um pequeno pedaço dela:
“Though we may be the last in the world
We feel like pioneers
Telling hopes and fears
To one another”
Em livre tradução: “Embora sejamos os últimos dos mundo, nos sentimos como pioneiros, falando esperanças e medos uns para os outros”.
A experiência humana se