Querido diário do futuro…

Querido diário do futuro,

2016 foi uma época em que brasileiros pensadores da escrita riam da palavra presidentA mas achavam que palavras terminadas com “o” eram neutras. Linguagem, querido diário, carrega ideologia também. Mas alguns pensadores da escrita não parecem saber disso…

Eu não diria isto a mais ninguém, a não ser a você, querido diário, para não parecer convencida. Mas aos oito anos de idade, eu fiquei muito estarrecida ao descobrir que o plural de homens e mulheres anula as mulheres e nos transforma em homens, coletivamente.

E eu, sem saber, já citava Beauvoir. Uma pena que aquela eu tenha escapulido em algum lugar. Assim, deixo aqui Simone, gritando lá dos anos 50 para o futuro. Quem sabe alguém a ouça.

“O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos ‘os homens’ para designar os seres humanos, tendo-se assimilado ao sentido singular do vocábulo vir o sentido geral da palavra homo. A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade. Agastou-me, por vezes, no curso de conversações abstratas, ouvir os homens dizerem-se: ‘Você pensa assim porque é uma mulher’. Mas eu sabia que minha única defesa era responder: ‘penso-o porque é verdadeiro’, eliminando assim minha subjetividade. Não se tratava, em hipótese alguma, de replicar: ‘E você pensa o contrário porque é um homem’, pois está subentendido que o fato de ser um homem não é uma singularidade; um homem está em seu direito sendo homem, é a mulher que está errada.”

Não há neutro na linguagem, querido diário. Beauvoir e Foucault bem o sabiam. Mas nossos intelectuais das letras ainda acham que PresidentA rima com SargentA.

Por Giovanna Dealtry

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