Feminismo e o exercício da escuta

Eu comecei minha vida feminista atuando no S.O.S violência, que Miriam Grossi coordenava. Era anos 80, a gente costumava visitar mulheres que tinham sofrido violência para aconselhá-las a se separarem. Anos depois, Miriam voltou da França para sua pesquisa de campo, sobre o impacto desse trabalho, e lembro que fui junto visitar uma das mulheres que a gente tinha aconselhado a se separar. A pessoa nos recebeu linda, maravilhosa, feliz da vida e nos agradeceu, de coração, o aconselhamento: tinha se separado e estava feliz.

Saímos felizes e fomos visitar a próxima. Essa nos recebeu de vassoura na mão, nos botou pra correr dizendo que por culpa do aconselhamento ela estava infeliz, que antes ela apanhava, mas tinha um homem, que ao nos dar ouvidos, se separou e ficou sozinha e infeliz…

Estou contando isso, porque quando a gente fundou a Themis, nos anos 90, o principal projeto era com mulheres de setores populares, e isso fez com que a gente aprendesse o exercício da escuta. Ou seja, não somos capazes de dizer o que é melhor pra outra mulher nem pra ninguém; o melhor pra mim nem sempre pode ser o melhor pra outra; é preciso escutar e compreender que cada uma é capaz de decidir e escolher o que quer pra si; devemos respeitar essa decisão.

Recentemente muitas feministas vêm declarando saber o que é melhor para as prostitutas – que a regulamentação do seu trabalho não será bom pra elas, que elas precisam de acolhimento, de tratamento psicológico, etc – sem nunca terem conversado e escutado uma prostituta, apenas terem lido textos que nada dizem sobre elas, sobre a vivência delas, sobre o que elas querem. Falando sobre e por elas sem nunca terem entrado numa quadra pra saber se elas querem carteira assinada.

Fico bastante entristecida com correntes e vertentes do feminismo que estão bastante distanciadas da vida das mulheres, mas estão repletas de teorias escritas por quem não tem vivência de prostituição.

Me entristece que feministas decidam, de dentro de suas bolhas, o que deve ser melhor para as mulheres.

Por Elenara Vitoria Caribone Iabel
Imagem destacada: Carla Zaccagnini, Elements of Beauty: A Tea Set Is Never Only a Tea Set, 2012-2015. 29 molduras sobre parede e audioguia.

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