O que a vida quer da gente

“A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”.
Guimarães Rosa

Quando a Feminaria foi criada, meu objetivo era solucionar um problema: a falta de apoio real para mulheres em desenvolvimento profissional. Fornecer consultoria de qualidade e suprir lacunas deixadas em um universo que sempre focou no homem como o provedor, um mercado que foi moldado para atender as necessidades masculinas na carreira e nos negócios.

Acontece que nós mulheres ganhamos espaços – por meio de muita luta, luta essa que não para um dia sequer. Ganhamos espaço dentro de um universo masculino e que em 2017 ainda não tem estrutura para nos receber.

Ganhamos espaços, passamos a buscar melhorias e suporte para alcançarmos nossos objetivos profissionais. E acabamos nos deparando com uma mão nada empática do outro lado se oferecendo para nos conduzir e direcionar. Uma mão que já vinha com um pré-conceito sobre o perfil da mulher atuante no mercado de trabalho.

A mulher alfa? A mãe multitarefas? A mulher de sucesso que optou pela carreira deixando a vida pessoal de lado? A mulher que resolveu ser mãe de família, abandonou a carreira e agora busca recolocação? A mãe solo? Aquela lá que abandona o filho na creche? Embora tenha muito para falar sobre isso, esse texto nasceu com o objetivo único: desmistificar essa grande bobagem que é rotular a mulher que busca o seu lugar ao sol.

Impossível oferecer resposta pronta. Somos todas diferentes – o único viés invisível que nos liga é a dificuldade em percorrer uma rota que foi desenhada sob medida para mocassins masculinos.

Não pretendo aqui nesse texto esgotar o assunto, e tampouco oferecer solução. Qualquer solução aqui soaria tão fake quanto o famoso: você pode ser quem e o que você quiser. Nós não somos capazes de tudo, mas somos todas capazes de alguma coisa e é justamente isso que precisamos ter a coragem de descobrir.

Nós não somos capazes de tudo, mas somos todas capazes de alguma coisa

É impossível que qualquer oferta de mercado contemple a singularidade feminina porque nós temos, sim, muitas e muitas facetas. É possível ser mãe em tempo integral? Sim. É possível conciliar carreira e vida pessoal? Essa pergunta nem deveria ser feita, pois uma coisa jamais deveria anular a outra, devem caminhar juntas. Quantas não são as matérias com o título: “Após nascimento do filho, Cicrana empreendeu”? Acho ótimo e incentivo demais. Mas e se você não tiver nenhuma inclinação ao empreendedorismo? Você desiste do seu objetivo profissional simplesmente porque o mercado ainda não entendeu que precisa, sim, absorver essa mão de obra e que essa mão de obra impacta diretamente o PIB nacional?

Então, minha amiga – pegando emprestada a reflexão acima do Guimarães Rosa -, eu vou te dizer o que a vida quer de nós: CORAGEM. E é ela que você deve buscar ai em seu íntimo.

O que a vida quer de nós é coragem!

Esqueça o que dizem por aí. Já não cabe mais associarmos coragem à força e ambição. Ou simplesmente vincular tudo isso a características masculinas, desserviço que a mídia faz ao nos imputar – sem pedir licença – uma característica “não-feminina” quando vai falar sobre mulheres em posições de destaque.

Coragem não tem a ver com força, não tem a ver com masculinidade, não tem a ver com subir num cavalo com a espada em riste. Coragem tem a ver com assumir o que é de fato bom para si. Coragem tem a ver com aceitar o desafio de se autoconhecer e olhar para dentro sem reservas. Coragem tem a ver com a aceitar que é falível e imperfeita.

Pergunte-se: quem se aproveita da sua insegurança? Apenas quem quer te vender a solução pronta para essa “dor”. E você não precisa comprar nada, você precisa olhar para trás.

Lembra lá da sua infância? Pois é. Nós mulheres, desde pequenas, somos muito incentivadas a sermos perfeitas em tudo. Sempre cercadas de cuidados enquanto nossos irmãos, primos e coleguinhas da escola eram sempre encorajados a cair e levantar, tentar novamente, inovar, assumir riscos.

Escutamos tantas histórias sobre feitos sobrenaturais que muitas vezes nos sentimos péssimas por sermos incapazes de dar um passinho sequer, destruindo nossa tão importante autoestima. Não são poucas as vezes que travamos diante da necessidade de fazer uma escolha ou de simplesmente ter que dar o primeiro passo – e isso é inerente à condição humana, não tem nada de errado e isso não é “coisa de mulher”.

Quando recorremos aos conselhos das amigas, tutoriais de internet ou até livros de autoajuda, recebemos o famoso: tenha coragem! E agora? Cismamos em imaginar que ela, a coragem, é uma força sobrenatural, ou uma dádiva concedida a poucas pessoas; mas isso, minha amiga, é porque o conceito de coragem veio distorcido para nós.

Hoje eu quero dizer claramente e com todas as letras, aqui do alto de todas as minhas tentativas e erros: a coragem é apenas a sua capacidade de resiliência diante de uma adversidade, é sua insistência em tentar novamente quando algo não saiu como planejado. A coragem é a capacidade de tentarmos alcançar, quantas vezes forem necessárias, o objetivo que desenhamos para nossa vida.

Por Ana Carolina Moreira Bavon, fundadora e CEO da Rede Feminaria
Imagem destacada: bahaiteachings.org

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