Uma dieta feminista
Durante a infância eu sempre fui magra. Não macérrima, mas magra. Aos oito anos descobri uma úlcera no duodeno. Nesse período eu não conseguia me alimentar, pois sentia muitas dores, e tudo que ingeria acabava vomitando. Cheguei a emagrecer 5 kg em um mês. Até que eu fui diagnosticada pela Dra. Ligia de Luca (sou muito grata a essa mulher!) com a úlcera, minha mãe chegou a pensar que eu estava com leucemia em razão da perda repentina de peso. Para minha sorte foi “apenas” uma úlcera, que foi curada com o tratamento adequado.
Logo depois entrei na puberdade. Foi então que se iniciou meu “período de engorda”. Eu tinha treze anos e me vi pesando 92 quilos com apenas 1,58 m. Só que eu não conseguia enxergar no espelho. Nem em fotos. O que fez com que eu realmente me visse como eu era foi o bullying que sofri em pelo menos duas instituições de ensino.
Os “apelidos” iam de bucho a gorda, passando por larga e baleia. E isso era todo dia. Todo dia eu sofria um ataque diferente. Todo dia, todo dia. Inclusive tinha um colega que sentava atrás de mim que colava os adesivos da agenda do colégio nas minhas costas para os amigos rirem da gorda (eu). Então eu passei a me dar conta que eu era gorda, enorme, larga, baleia, um bucho.
Ouvia toda sorte de frases: “tão bonita de rosto”, “se tu emagreceres vais ficar bonita”, “por que tu não emagrece?” E até a minha mãe era a culpada por eu estar (bem) acima do peso. Sim, chegaram a culpar a minha mãe porque ela não controlava o que eu comia. Do meu pai nunca ninguém quis nem saber. A culpa era da minha mãe.
Dito isso, eu, incomodada com tantas críticas, tanta “piada”, tanta falta de empatia, de humanidade, etc., resolvi emagrecer. Fui a uma nutricionista que, de cara, me disse: “tu és gorda”. Jura? Óbvio que àquela altura eu tinha consciência disso. Eu fiquei tão magoada que saí de lá e fui comer um McDonald’s. Depois eu fiz uma dieta bem radical, emagreci seis quilos em 14 dias. Foi bem bom para minha autoestima na época. Fiz atividade física, acompanhamento médico (eu passei por tantos endocrinologistas e nutricionistas que cheguei a perder as contas) e fui emagrecendo.
Ao todo eu eliminei trinta e dois quilos, mas admito viver o chamado “efeito sanfona”. Não consigo estabilizar meu peso, pois sou muito ansiosa. Minhas neuroses eu direciono para onde? Comida.
O que eu quero trazer com esse texto é que, mesmo passados quinze anos e perdidos tantos quilos, ainda é muito difícil lidar com o estigma da gorda. Imagino que tantas, tantas outras meninas – talvez hoje mulheres – tenham passado por situações semelhantes. É algo que ainda me machuca profundamente, são lembranças horríveis que doem demais, e por certo isso refletiu e reflete – muito – na minha (baixa) autoestima.
Ontem ainda estava conversando com meu namorado sobre usar biquíni e falei que eu tinha vergonha, que tenho vergonha de me expor, vergonha do meu corpo. Ele questionou: “ué, mas tu não és feminista, não lutas pela liberdade, para que cada uma tenha e seja o corpo que quiser?” Respondi que sim. Mas não luto por direitos individuais apenas, e sim para que todas as pessoas consigam se sentir bem dentro de seus próprios corpos. É preciso que eu descontrua muita coisa ainda, e isso é um exercício diário.
Eu sei que pode ser engraçado eu querer que as mulheres sejam livres, sem ter conseguido desatar minhas próprias amarras. Mas estou tentando. E o feminismo e a sororidade feminista têm ajudado bastante!
Por Lara Manique
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