Escuta: nem loucura nem mimimi
Uma é enquadrada como louca na revista, a outra é tachada de louca quando faz discurso fascista.
Loucas, todas. Só pode.
Enquanto isso, circula a imagem daquela outra, que voltava para casa após um dia de trabalho, quando ejacularam nela, no ônibus, depois de um trajeto de muito assédio.
Enquanto isso, nas instituições de educação, outras exigem respeito e mais segurança, pois de estupro a feminicídio, toda sorte de horror acontece com elas, e passaria impune não fossem seus gritos. (Na maior parte das vezes passa, mesmo com os gritos.)
Enquanto isso, confundem amor com abuso, crime com paixão, sexo com violência. Mas menstruação é tabu, tesão de mulher é tabu, liberdade sexual de mulher é tabu e dá medo nas gentes.
Apontamos o machismo na publicidade no humor na ficção na família no mercado de trabalho nos esportes nas ruas nas escolas no convívio social na luta nos bares na praia nas novelas na chuva na rua na fazenda.
Apontamos, demonstramos, articulamos.
Trazemos dados, números, inúmeras pesquisas. Produzimos teoria, discurso, ensaios, filosofia. Propomos e aplicamos novas e velhas metodologias de mudança.
Falamos falamos falamos. Explicamos, brigamos, empatizamos, ouvimos, entendemos. Explicamos de novo. Expomos, criticamos, oferecemos soluções.
Explicamos de novo.
E de novo, e de novo, e de novo, a mesma coisa, com coerência, com experiência, com conhecimento de causa, com estudos, com documentos, com imagens, com evidências.
Em uníssono, mesmo nas nossas diferenças, revelamos a misoginia que pontua nossas vidas. Explicamos, palestramos, educamos, circulamos a informação, muitas vezes de graça, quase sempre de graça, trabalhamos muito, por muito pouco dinheiro, mas pelas nossas vidas, pela nossa dignidade, por justiça, por direitos.
Explicamos, simpáticas ou com raiva, didaticamente ou em marcha. Dedicamos nossas vidas a revelar o mal que nos aflige. Estudamos, trabalhamos, explicamos, com sofreguidão, exaustas, exauridas, cansadas de não sermos ouvidas.
E ainda assim. Ainda assim.
Loucas. Todas loucas.
Somos ridicularizadas, somos tachadas de histéricas.
O machismo que expomos, o respeito que exigimos: mimimi.
Loucas só podem fazer mimimi.
Loucas não têm razão.
Razão têm os que corroboram para o mar de misoginia que expomos e que criticamos. Esses sim são os paladinos da sanidade, da verdade e da justiça social.
Apontamos os fatos –> estamos fazendo mimimi.
Eles refutam os fatos –> estão cobertos de razão.
E as loucas somos nós.
Pobres dos loucos de fato. Não merecem que suas subjetividades sejam usadas de forma tão leviana. Saúde mental não é commodity discursiva.
Os que nos acusam de mimimi não são loucos, não. São birrentos, mimados que não sabem que o mundo não existe somente a partir do seu ponto de vista.
A misoginia é real, o machismo é sistêmico, e suas consequências são materiais. Feminismo não é opinião.
Parem. Olhem. Escutem.
Escutem.
Escutem.
Escutem.
E assimilem.
E aprendam.
E respeitem.
Mal não vai fazer.
Por Joanna Burigo
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