A Formiga Só Trabalha Porque Não Sabe Cantar. Será?

Eu não sei cantar. Nem tocar instrumento algum. Sou filha de uma mãe feminista de uma geração que, para criar mulheres, tinha que romper com tudo que era feminino. Por isso que não sei costurar ou bordar – agora, aos 35 anos, aprendo crochet e tricot.

Mas eu sei fazer muitas outras coisas e poderia estar gozando a vida com o homem que amo conforme aconselhou o Rei Salomão no seu livro de “Provérbios”. Mas, mesmo assim, eu ainda prefiro trabalhar.

Trabalhar por uma sociedade mais justa. Pelos Direitos Humanos e dos Animais. Por igualdade de gênero. Pelos mais vulneráveis. Pela Justiça. Pela democracia. E, desde sempre, soube que este sim, era um trabalho de formiguinha.

A internet – seja pelo Facebook ou Whatsapp – fez com que eu visse que não estava sozinha nesta luta. Há, assim como eu, centenas, dezenas e milhares de pessoas pelo globo que estão lutando, cada um à sua maneira. Casey Jenkins, por exemplo, tricota com sua vagina. Ela faz parte do Craft Cartel, um grupo de feministas australinas que literalmente pintam e bordam palavras de empoderamento feminino pelas ruas da Austrália.

Eu as vejo como minhas companheiras. Como formigas. E eu, com estas palavras, estou fazendo o que uma formiga faz: passando a folhinha adiante.

Sim, porque as formigas trabalham em conjunto. Elas são as espécies que melhor se comunicam no mundo. São as que conseguem construir suas moradias mesmo nos mais áridos dos terrenos.

Mas será que todas nós somos formigas ou estamos assumindo o papel de cigarras, ao cantarolar versos e entoar gentilmente nossas guitarras e não passar adiante a folha para a próxima?

“Mas Ivy, do que você está falando? Eu não sei tricotar. Não sei escrever tão bem como você”.

Mas sabe ler. Sabe que, na rede mundial de computadores, um clique tem muito valor. Então, minha cara, sinto em lhe dizer, mas você pode ser uma cigarra ou uma formiga. Cigarra é aquela que acha tudo lindo, mas é incapaz de comentar, compartilhar, o post de uma amiga. Cigarra é aquela que acha tudo lindo, mas não se levanta de madrugada para atender a uma vítima de violência. Cigarra é aquela que reproduz o discurso do patriarcado ao não dar crédito para companheira, ao não pedir desculpa. Cigarra é aquela que, como na fábula de Esopo, debocha da formiga ao se esquivar da luta e usar palavras de ódio. Ao aceitar eventos só com homens. Ao não divulgar o trabalho da companheira.

Sim, minhas caras, em 2016 ser formiga é compartilhar, comentar.

É usar hashtag como do #meuprimeiroassedio para mostrar para sociedade que meninas são vítimas todos os dias no nosso País. É preencher uma pesquisa, fazer uma doação para um crownfunding (ainda que seja de R$5). A folha só mudou de material – mas continua sendo folha que precisa ser passada.

E hoje vejo várias folhas que não são passadas adiante por suas formigas. Será, então, que somos um movimento que faz trabalho de formiguinha ou canta por que convém?

Me pergunto como Hannah Arendt escreveria sobre nós, formigas e cigarras: será que ela afirmaria que o feminismo virou uma moda banal? Às vezes parece, com tanta cigarra cantando e pouca formiga trabalhando.

E, ser formiga, acreditem, não é difícil. Mas seria mais fácil se outras se reconhecessem como tal e colaborassem na causa.

Para encerrar, a lição que nos fora contada pelo fabuloso La Fontaine para refletirmos como será o nosso inverno. E sim, tão certo quanto dois e dois são quatro, mesmo em época de mudanças climáticas e aquecimento global, o inverno sempre vem para cada uma de nós. Teremos, então, apoio das formigas ou padeceremos de fome como a cigarra? Estaremos fortes no tempo de aperto do patriarcado ou dançaremos a música que eles tocarem?

A Cigarra e a Formiga

Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

– Amiga – diz a cigarra
– Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de Agosto,
Os juros e o principal.

A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
– No verão, em que lidavas?
– À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: – Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
– Oh! Bravo! – torna a formiga
– Cantavas? Pois dança agora!

Por Ivy Farias, especial para a Casa da Mãe Joanna
Ivy Farias, 35 anos, é jornalista, estudante de Direito, militante dos Direitos Humanos e dos Animais. Participa inúmeros coletivos, é mesária voluntária, exeerce sua cidadania de forma ativa e é feminista. Em resumo, uma formiga que adora Rita Lee, PJ Harvey, Beatles, Led Zeppelin e Foo Fighters.
Imagem destacada: LeBlanc para fábulas de Monteiro Lobato

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