#CDMJ Entrevista: Juliana Ricci

Juliana Ricci é a idealizadora e fundadora do Indique Uma Mina, grupo de Facebook criado no dia 1º de junho de 2016, cujo objetivo é empoderar mulheres financeiramente a partir de troca de informações sobre vagas de empregos e oportunidades de trabalho.

Visando ajudar na inserção de mulheres no mercado, o grupo já conta com mais de 80 mil membros – todas mulheres. A iniciativa não apenas atende demandas importantes, mas fornece o que nós aqui da CDMJ consideramos ser o passo certo em direção ao real empoderamento – e não aquele “empoderamento de boutique” que se vê aos montes por aí. Poder se conquista, não se compra na esquina.

Conversamos com a Ju sobre esta ação pragmática da luta por direitos iguais para homens e mulheres na sociedade, e também sobre feminismo, grupos fechados no Facebook e mais. Confira!

#CDMJ: Oi Ju! Obrigada por nos conceder esta exclusiva. Vamos começar perguntando: quem é Juliana Ricci?
Juliana Ricci: Definitivamente não é a mesma Juliana de quatro anos atrás! (Risos.) Sempre tive uma vida de privilégios. Estudei em boas escolas, nunca me faltou comida ou teto, e minha família sempre me deu o melhor suporte que alguém poderia receber, incluindo aquisição de idiomas, viagens ao exterior, e tudo o mais. Ao entrar na Universidade – Federal – levei um supetão da vida. Conhecer e conviver com pessoas cuja trajetória diferia, e muito, da minha, me fez enxergar realidades que, até então, eu desconhecia. Todos os dias desde então faço reflexões acerca das diferenças entre a minha realidade e a da maioria das pessoas. Isso se deu com mais força quando dividi apartamento com uma colega de curso. Foi com uma amiga que descobri o feminismo. Essa amiga – que é lésbica butch e radfem – com muita sensibilidade e delicadeza me mostrou o que eu até então não via. Enxerguei meus privilégios: branca, olhos verdes, com suporte financeiro e emocional da família… e me dei conta não apenas da minha sorte, mas do quanto ela é parte de um sistema que privilegia gente como eu.

#CDMJ: Como surgiu a ideia para o Indique Uma Mina?
Juliana Ricci: Através de histórias de amigas que já tinham passado por situações misóginas no trabalho, que não conseguiam sair de relacionamentos abusivos por falta de dinheiro que as permitisse viver por conta própria, que foram taxadas como “fracas” por menstruarem (!), ou por quererem filhos… Ouvi muitos relatos de silenciamento de suas vozes no trabalho, de apagamento de suas ideias, ou mesmo de elas terem tido suas ideias usurpadas por homens. Logo após o caso do estupro coletivo no RJ, fiquei tremendamente entristecida. Meu ativismo online e fora da internet existia, mas senti necessidade de fazer mais, de ajudar mulheres na luta por direitos iguais. Tentei me associar a ONGs existentes, mas não deu certo. Então pensei “vou fazer alguma coisa eu mesma, e vou fazer o que está ao meu alcance”. Ao meu alcance estavam o computador, o celular e as redes sociais. Já era membra de vários grupos, via que a média de membras era 20K, e a partir daí idealizei o IuM. Fiz um convite na minha página, uma chamada pública por moderadoras, e quinze mulheres se voluntariaram. Poucos dias depois já tínhamos milhares de adesões. Nas primeiras noites mal dormimos – passamos em claro analisando a enxurrada de perfis das minas que queriam fazer parte do grupo. Hoje somos sete moderadoras… e 83 MIL membras!

#CDMJ: Como funciona a seleção – de membras e de vagas?
Juliana Ricci: Adicionamos apenas mulheres – cis ou trans, até porque mulher é mulher. Sendo assim, não aceitamos perfis de casais. Queríamos que o IuM fosse um “espaço seguro”, e sabemos que muitos homens tornam difícil o diálogo feminista, muitos entram em grupos apenas para causar confusão; então pelo sim, pelo não, somos um grupo exclusivo para mulheres. O clima do grupo é de cumplicidade – as minas avisam, por exemplo, se a vaga em questão é em uma empresa que tolera misoginia e machismo. As moderadoras revisam todos os perfis e todas as vagas antes de aprova-las. No mural é permitido apenas vagas e solicitações de profissionais. Queixas são resolvidas por mensagem. Um ponto importante para nós é a valorização do trabalho da mulher – então, especialmente de mulheres autônomas, pedimos para que evitem solicitar “precinho de amiga”. A média diária de vagas e solicitações de serviço publicadas é de 30, e embora ainda não tenhamos feito coleta de dados, em relação a resultados, até hoje sabemos que ao menos 15 mulheres já estabeleceram conexões de trabalho através do grupo. Muitas vagas são de repasse, mas sinto que estamos nos tornando em uma espécie de agência de recrutamento – há mais de um mês já há vagas, por exemplo, que são publicadas no grupo com exclusividade!

#CDMJ: O grupo facilita trabalho para as membras. Mas e você, já ganha dinheiro com o projeto?
Juliana Ricci: Ainda não! (Risos) Ainda faço tudo no meu tempo livre (Juliana é professora de inglês), e s moderadoras também. Mas estamos nos organizando para encaminhar o projeto para instituições de fomento – como o InovAtiva do SEBRAE.

#CDMJ: Quem participa do grupo? Quem está na equipe?
Juliana Ricci: Na equipe: eu, Alice Baldan, Anastácia Demartini Costa, Bárbara Miranda, Camila Queli, Elisa Vasconcelos e Luiza Machado. No grupo a maioria ativa se declara feminista ou no mínimo declara se sentir contemplada pelo movimento. O grupo serve também como um espaço onde mitologias acerca do feminismo são desfeitas, o que é sempre um prazer.

#CDMJ: E as vagas? Vêm de onde?
Juliana Ricci: De todo o Brasil, mas a maioria está nos grandes centros urbanos – São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Brasília também aparece com frequência. A maioria das empregadoras são micro e pequenas empresas, e muitas vagas são para ateliê, de design a corte e costura. Solicitações de serviços tipicamente masculinos – como consertos, instalações, construção – também figuram com frequência no grupo, o que nos diz algo sobre o medo das mulheres de estarem sós em casa com homens desconhecidos… A maioria das vagas chega até nós de departamentos de RH de empresas pequenas que procuram mulheres especificamente, mas não tem políticas específicas internas que garantam essa seleção. Como disse, acabamos fazendo as vezes de empresa de recrutamento alternativa.

#CDMJ: Quais são os planos para o futuro?
Juliana Ricci: Ainda é tudo muito recente. O grupo tem pouco mais de três meses, e por enquanto ainda estamos dando conta de acompanhar o crescimento exponencial do projeto. Além das organizações de fomento, também visamos desenvolver um aplicativo.

#CDMJ: Última pergunta: você é feminista? Por que?
Juliana Ricci: SIIIIIIIIIIIIIIIIIM! (Risos). Porque é uma necessidade, porque o feminismo me fez mais segura, mais confiante, porque acreditamos no poder da sororidade. E porque quero ser capaz de fazer para outras mulheres o que minha colega de casa fez comigo: apresentar o feminismo de forma desmistificada, com simplicidade, delicadeza e sensibilidade.

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Conheça o Indique uma Mina NEWS, a página pública do grupo.

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Por Joanna Burigo

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