São tempos difíceis para os jornalistas
Primeiramente, apesar do sobrenome e da longínqua herança genética do ditador, não tenho idade para ter presenciado a ditadura militar. Muito menos, como jornalista.
Faço esse adendo (minhas amigas dizem que esse é meu vício de linguagem, maldito!) porque quando digo tempos difíceis, falo isso usando como referência a minha pouca vivência de um quarto de século de vida, sendo menos de uma década de vivências jornalísticas.
Retomando o assunto, deixo de lado as referências históricas, sem medir quem sofreu mais ou menos e dizer que as coisas não andam fáceis para os colegas com quem divido a profissão. Desde o ano passado os grandes veículos anunciavam o aumento do número de desempregados no país. Mas não noticiaram, obviamente, que foram eles próprios que deram início a esse processo. Segundo o portal Comunique-se no ano passado mais de 1400 jornalistas foram pra rua. Isso sem contar os que têm a carteira assinada com outras profissões nada a ver com a desempenhada nas redações.
A jornalista que foi assediada pelo cantor Biel durante uma entrevista e não se calou, foi demitida dias depois de fazer BO contra o cantor. Ela fez o que muitas de nós, jornalistas mulheres, já quisemos fazer: escrachar homem que acha que mulher é objeto. Quando o colega de profissão homem faz entrevistas, porque o entrevistado não diz que só dá tal informação numa exclusiva? Porque com jornalistas homens não tem piadinha dizendo que ele está onde está porque é “jovem e bonito”? Porque o entrevistado se acha no direito de fazer comentários constrangedores sobre a vida pessoal de quem está somente desenvolvendo seu trabalho? Sem contar os colegas de trabalho, mas nem vamos falar disso que esse não é o assunto da vez.
Em seguida, com o processo de impeachment da presidenta Dilma sabemos que o nosso trabalho só aumentou. Independente das ideologias políticas, para nós jornalistas, protesto significa trabalho. E muito trabalho. E como se não bastasse as horas a mais, o texto que tem que ser entregue na pressa, ainda temos que contar com a truculência da polícia que não sabe tratar nem de manifestante e nem de trabalhador.
Mais de dez colegas de profissão escreveram relatos sobre a violência que sofreram enquanto realizavam a cobertura dos atos, ou seja, trabalhavam. Apanharam, tiveram seus equipamentos destruídos e foram humilhados pura e simplesmente por estarem realizando seu trabalho. “Sai lixo!”, é o que o cara tem que ouvir enquanto apanha, depois de trabalhar durante horas. Pesquise o piso do jornalista, que diga-se de passagem, quase ninguém ganha (tendo que trabalhar mais horas do que diz a lei e receber muito menos) e pense que baita prejuízo é ele perder sua câmera, por exemplo.
Como se não fosse suficiente, há pouco fico sabendo que dois jornalistas foram agredidos por manifestantes contrários ao governo Michel Temer, ao entrevistarem um grupo que defendia uma intervenção militar no Brasil. Quem bateu ou não gostava deles ou da linha editorial que representavam. Ou ainda, em tempos de coxinhas e petralhas, quem sabe pensaram que eles eram do lado oposto e mereciam a agressão, como se agressões fossem justificáveis.
Um ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de expressão, que é fundamental na construção de uma democracia (palavrinha bem na moda ultimamente). Nesses tempos malucos ainda presenciamos colegas que, assim como eu, são formadores de opinião e que não agridem diretamente, mas emitem comentários que resultam em atos violentos contra profissionais de imprensa (seja dos grandes veículos ou independentes).
É tanta porrada, de tanto lado, que cada vez mais colegas estão largando a profissão para (aqui cabe bem a piadinha de humanas) vender a sua arte na praia. E sem profissionais qualificados para informar, meus amigos, o que lhes resta é a verdade que venderem para você.
Boas compras.
Por Ingra Costa e Silva
*Coluna veiculada originalmente no Jornal Rotta
Imagem destacada: daqui
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