É hora de falar sobre “racismo suave” e fragilidade branca

Quando você pensa em um racista o que vem em mente? Supremacistas brancos? A Ku Klux Klan? Você geralmente pensa em pessoas brancas, certo? Você sabe, aquelas pessoas que não hesitam em dizer, quando pessoas negras se atravessam no trânsito, que “só podia ser negão”. Ou que frequentam escolas que proíbem cabelos afro. Essas pessoas são a cara do racismo.

Estou aqui para te contar um pequeno segredo: você não precisa enviar currículo para se juntar à Ku Klux Klan para ser um racista. Ouvimos muito que o racismo é ensinado, que começa em casa com nossos pais. Isto é absolutamente verdadeiro, mas o racismo também está em nossos sistemas escolares, nos meios de comunicação, e ele ainda vem da boca de homens alaranjados que concorrem à presidência.

Tenho certeza que seus pais nunca realmente disseram que você deveria atravessar a rua quando via uma pessoa negra caminhando, mas você pode tê-lo feito porque você os viu fazer isso. Ou talvez você já tenha visto centenas de filmes onde o personagem predador era uma pessoa negra, e ao longo dos anos que você tomou essa cena teatral como a realidade, permitindo que sua mente engolisse essa noção.

Racismo não é sempre raivoso e hostil. Racismo é sutil, leve e, às vezes, até tem aparência amigável.

É aquele seu chefe, num entrevista de emprego, que se surpreende com o quão intelectual você é – tão surpreso que prolonga a entrevista com inquéritos e premissas como:

“Como você conseguiu esse sucesso vindo de uma casa de baixa renda, filhx de mãe solteira? Foi difícil crescer sem um pai?”

É entrar num ônibus e ver aquela doce senhorinha branca esconder seus pertences e abrir espaço apenas para que uma pessoa branca se sente a seu lado. Mesmo que, cinco minutos atrás, você tivesse perguntado se o banco estava vazio, e ela, com um desempenho digno de Oscar, tenha dito que sentia muito, mas o assento não estava disponível (para o seu corpo preto).

Ou aquele amigo branco que ri e faz chacota de estereótipos raciais, mas insiste que é apenas uma piada, que – acredite – não é como ele realmente se sente.

Nós geralmente não falamos para nossos conhecidos e amigos sobre suas micro-agressões em relação a nós – provavelmente porque sabemos que eles são frágeis, e que, quando o corrigimos, uma grande quantidade de lágrimas brancas vai cair e bater nos nossos sapatos – sapatos que já estão encharcados das lágrimas da outra pessoa branca com quem acabamos de ter uma reunião de trabalho.

Pessoas não brancas se sentem mal e culpadas quando exprimimos nossa dor e corrigimos os nossos homólogos brancos. Nós evitamos estes tópicos relacionados com stress racial porque a culpa que você sente ao nos prejudicar se transformam em medo e raiva. Em vez de um pedido de desculpas, você se defende e explica, repetidamente, o quão legal você é; você usa suas lágrimas brancas como quem usa uma arma. De repente uma faca é apontada para mim, e eu sou a vilã….

Você passa horas e horas da sua vida me dizendo que feri seus sentimentos. Bem, você sabe o quê? É um privilégio ter seus sentimentos feridos depois de ser chamado de racista, ao invés de experimentar o racismo em si.

Fomos condicionados a pensar que “racismo” e “ser uma boa pessoa” não podem acontecer ao mesmo tempo. Nós temos que começar a perceber que o racismo é construído nesta sociedade, é um sistema perigoso e violento que oprime pessoas não brancas de mais maneiras do que aquelas cometidas apenas por grupo de supremacistas brancos. Você não tem que vestir um capuz branco e odiar negros para abusar de estereótipos racistas.

Sim, você é uma pessoa amável – todos nós amamos o seu sorriso alegre – mas um dia você vai ser confrontada, em uma conversa com um amigo negro sobre um post ofensivo que você escreveu, ou no qual comentou, ou por causa de um comentário que você fez no jantar. Quando isso acontecer, não comece a defender seu caráter ou suas intenções. Enxugue suas lágrimas. Você não é a única pessoa sofrendo agora.

Não faça com que isso seja sobre você.
Não coloque o seu medo na frente da minha dor.
Não faça que meus sentimentos tenham menos importância que a sua raiva.

Enquanto você ainda estiver aqui, e ainda chorando, eu também devo acrescentar que eu realmente não aprecio a sua reação aos meus sentimentos feridos. Francamente, eu acho que isso é abusivo. Pare de mudar o roteiro, de derramar lágrimas, e de me fazer sentir horrível, horrível ao ponto onde eu perder o foco em mim mesma (a pessoa que é verdadeiramente ofendida) para consolar você.

Toda a minha existência como uma pessoa negra gira em torno de fazer com que pessoas brancas estejam confortáveis, de mimar seus sentimentos e nunca dizer que fui ferida – o mínimo que você pode fazer é pedir desculpas, assumir a responsabilidade pelo seu delito, e, mais difícil, aprender a partir dele.

Nós nem sempre estamos cientes do que estamos aprendendo nesse mundo, mas o mundo influencia nosso comportamento e ações, independentemente de sermos pessoas agradáveis. Não importa se o racismo foi intencional ou não, só sei que racistas nem sempre são maus ou violentos. Às vezes o racismo é, na verdade, bastante convidativo, simpático, simples e, muitas vezes, produzido pela mais bonita das pessoas.

Por Christy DeGallerie, originalmente publicado no HuffPost.
Versão em português por Joanna Burigo

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