Trans não é sinônimo de mentira ou falsidade

Pela milionésima vez: mulheres trans não “acham” que são mulheres em detrimento de “serem de verdade”.

Trans não é sinônimo de mentira ou falsidade. O gênero de pessoas cis não está mais ancorado numa suposta verdade previamente dada – seja por um destino biológico, psicológico ou social, fazendo alusão aqui à Beauvoir, vejam só – em comparação ao gênero de pessoas trans.

Pessoas cis “acham” que são homens ou mulheres a partir do mesmo critério de realidade ou ilusão que pessoas trans “acham” que são homens ou mulheres. Isso é o básico do básico sobre compreender que não existem identidades que seriam mais “reais” que outras ou outras mais “imaginárias” que outras.

Nenhuma teoria que se pretende minimamente crítica poderia sustentar a tese de que a crença das pessoas cis em afirmarem o que são se sustenta de forma mais “real” do que as das pessoas trans a não ser que ela incorra em ESSENCIALISMO e reforce e pressuponha equivocadamente a naturalidade da condição de cisgeneridade.

Pessoas cis não tem “sexo” em detrimento de pessoas trans terem “identidade de gênero” na medida em que justamente o MESMO processo que sustenta a “ilusão” das pessoas trans sustentar a crença de que pessoas cis simplesmente sejam do sexo a qual elas foram designadas ao nascer. Pessoas cis não são da Terra em detrimento de pessoas trans serem de Plutão; vejam só, o processo que faz as pessoas trans se subjetivarem a partir da transgeneridade é o mesmo processo que sustenta a possibilidade das pessoas cis acreditarem serem o que são com base numa crença numa biologia, numa teoria social ou psicológica.

O teor de “realidade” e “imaginação” aqui é o mesmo porque a cisgeneridade NÃO é natural, ela também é construída, ela também é historicamente e socialmente determinada e localizada e portanto, ela só existe na RELAÇÃO com a transgeneridade posta em posição de exclusão, ok?

A cisgeneridade só produz efeitos de evidência sobre o sexo porque ela estabelece uma relação com a transgeneridade posta como exclusão: na posição de exclusão que ocupa o lugar da loucura, abjeção, patologia, marginalidade…

Se cisgeneridade não é natural ela também precisa ser compreendida criticamente pela teoria, e não simplesmente suposta como uma verdade prévia que não seja passível de observação e análise crítica.

A questão de “se achar” ou “sentimento” é completamente secundária ou efeito do fato do “ser trans” em nossa sociedade resultar e implicar em estigmas e exclusões objetivas e ensejar, por parte deste sujeitos, processos de resistências a estas injustiças. Falar que somos homens ou mulheres a partir da posição da transgeridade é primordialmente uma questão de identificação política tendo em vista a denúncia da exclusão de pessoas trans no acesso a direitos básicos – educação, família, moradia, emprego, renda, saúde, justiça, identificação legal – e de cidadania, ok?

Por Beatriz Pagliarini Bagagli 
Imagem destacada: daqui

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