A culpa é sempre da mulher?
Faz um tempo eu li uma matéria cuja manchete era a seguinte: “Recém-nascido morre após ter contraído bactéria da vagina de sua mãe ainda na gravidez”.
Depois, os comentários foram uma enxurrada de ignorância, preconceito e ofensas à mãe da criança. Chamaram-na inclusive de porca, acreditando que a tal bactéria era resultante de falta de higiene da mulher. E acho que a manchete tem uma certa responsabilidade sobre isso, ela manipula.
De lá pra cá eu tenho ruminado esse assunto, pensando muito naquele setor da medicina que se dedica bastante aos cuidados com as vaginas, a ginecologia. E a realidade é que é comum que esse ramo da medicina, cujo objeto de estudo (escolhi a palavra “objeto” propositalmente) é a mulher, subestime nossas capacidades.
Essa ideia de que certas doenças que nos atingem diretamente na genitália sejam decorrentes de falta de higiene parece ser muito comum. Perdi a conta das inúmeras recomendações de médicos nas revistas femininas sobre a direção correta do uso do papel higiênico.
“Depois de urinar, a mulher pode somente usar papel higiênico para higienização. Ele deve ser passado da vagina em direção ao ânus, sempre neste sentido, para que não haja a contaminação com as bactérias provenientes do intestino. Usando o papel higiênico sempre de frente para trás, você evita que os germes presentes nas fezes entrem em contato com sua uretra e causem uma infecção do trato urinário. Ao limpar o ânus, após defecar, o ideal é que a higienização seja feita com água. Se isso não for possível, deve-se tomar cuidado para que a limpeza com papel higiênico seja suave, sempre de frente para trás, para não carregar germes da região anal para a vagina.”
Eu mesma ouvi essa recomendação feita diretamente a mim num consultório médico. Como se eu fosse burra. Como se me faltasse bom senso. Dificilmente ouviremos que algumas bactérias provavelmente estejam por lá desde o tempo em que usávamos fraldas, mas que não nos atacaram por estarmos com a flora bacteriana num bom equilíbrio. Daí um dia, um estresse, uma baixa de imunidade, permite que aquelas bacteriazinhas se multipliquem e nos causem problemas. Certamente nos receitarão um antibiótico para combater as danadinhas. O detalhe é que o antibiótico não é seletivo. Ele vai matar as bichinhas que estão no lugar errado, mas também vai agredir as que estão ali de guarda, nos protegendo. E aí pode começar um ciclo vicioso de doença, cura, doença, cura…
Acho que poderia até colocar cura entre aspas, porque de imediato, as intrusas podem ser quase exterminadas, mas como a flora bacteriana que deveria estar ali pra nossa defesa também foi bastante agredida, depois de algum tempo as indesejáveis podem se multiplicar novamente. E como essas aí tiveram contato com o antibiótico e sobreviveram, estarão resistentes a ele. Mais ou menos como se tivessem se vacinado. E aí vem novo ataque com outra medicação, e lá se vai sua flora protetora junto.
Mas claro, você adoece porque usa papel higiênico errado…
Por Ana Cristina Teixeira
Imagem destacada: detalhe de Femme au bain, de Edgar Degas
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