Chacina de Campinas, mídia sensacionalista e oportunismo político
Eu sei que a esta altura do campeonato, você já deve estar cansada de saber sobre a Chacina de Campinas, já que a mídia fez questão de mostrar tudo em detalhes em nome do “jornalismo verdade”. Felizmente, não há filmagem do momento do acontecimento circulando nas redes sociais, porque como bem sabemos as pessoas em sua mórbida curiosidade proliferam esse tipo de vídeo sem nenhuma responsabilidade. Estão circulando a carta ou as cartas escritas pelo assassino, como também as gravações de voz feitas por ele. O conteúdo, o qual não vou nem ao menos citar, é nada mais e nada menos do que a expressão escrita e falada do ódio, do machismo e da misoginia, como era de se esperar nestas circunstâncias. Com isso temos a certeza de que este não é um caso isolado, mas sim a expressão misógina do machismo que denunciamos todos os dias, mas que por vários motivos são negligenciados por pensamentos como “cão que ladra, não morde” e afins.
Só que para piorar a situação, não basta o sujeito ter assassinado 12 pessoas a sangue frio, dentre elas a ex (que tinhas vários boletins de ocorrência contra ele) e o próprio filho (de quem o assassino era acusado de ter abusado sexualmente pela esposa). Agora ele tem todo o protagonismo e a exposição que um narcisista como ele sempre quis.
Ou seja, no fim, ele venceu.
E essa é a triste realidade. A morte dessas 12 pessoas foi em vão, e ele mesmo depois de morto tem toda a mídia que queria. Afinal, quando ele gravou os áudios e escreveu as cartas, fez porque não queria apenas assassinar aquelas pessoas: ele queria ser reconhecido como autor daquela chacina; queria mostrar para a sociedade que aquele era um ato desesperado de um homem “de bem” que teve sua vida “destruída” pelo feminismo e pelos direitos da sua ex-esposa.
Com a exposição do conteúdo das cartas e do áudio, temos acesso também a um rio de chorume de gente que, de alguma forma, apoia esse homem. E não, não vou usar outro adjetivo além de assassino e homem para classificar ele, porque ele não é nenhum doente, coitado, monstro ou qualquer adjetivo que o separe da dita normalidade. Com esses comentários temos a certeza de que como ele há muitos outros homens assassinos atuando ou planejando agir. E que depois da divulgação irresponsável desse conteúdo até podem se sentir mais motivados a agir de maneira igual ou semelhante.
Em contrapartida, vemos um esvaziamento do debate da violência de gênero em detrimento de uma apropriação oportunista por grupos políticos que alegam que a Chacina de Campinas é fruto único e exclusivo de um determinado posicionamento político. Usar desse acontecimento para atacar desafetos políticos é de um mau-caratismo sem tamanho, além de ser uma forma de invisibilizar o cerne da questão: o machismo e a misoginia que mataram, matam e matarão enquanto não forem discutidas com a seriedade que merecem.
O mesmo aconteceu no caso do estupro coletivo do Rio de Janeiro em maio do ano passado, quando a Dilma ainda era presidente. Naquela ocasião os pró-impeachment culpavam o PT e a Dilma pelo estupro coletivo cometido dentro da favela por mais de 30 homens. É importante, para a nossa própria segurança termos em mente que não é somente o machista conservador de direita que violenta, estupra e mata, é também o esquerdomacho que banca o progressista, o feministo, mas que quando se sente contrariado por alguma mulher reproduz toda a violência que repudia em público.
A Chacina de Campinas não é um produto da esquerda ou da direita, e sim do machismo que impera em ambos os lados. Tanto dos conservadores que apoiam o discurso do assassino, quanto dos esquerdistas que culpam quaisquer coisas menos o próprio machismo pela chacina são responsáveis por criar mecanismos que promovem e invisibilizam a violência de gênero.
E assim, começamos 2017 absortos por tamanha brutalidade e imersos a toda a demagogia de uma sociedade que culpa as mulheres por lutarem com a violência que elas sofrem. E ao invés de transformar essa chacina em um debate produtivo que promova leis e medidas de segurança contra a violência de gênero e o feminicídio, nos perdemos em meios às especulações sensacionalistas da mídia e o esvaziamento do debate promovido pelo oportunismo partidário.
E, mais uma vez, a violência contra a mulher é tratada com descaso, as vítimas são invisibilizadas e o assassino torna-se o grande protagonista desse circo dos horrores que se tornou esse caso promovido pela irresponsabilidade da mídia e pelo oportunismo político-partidário.
Por Renata Floriano
Imagem destacada: psiconlinenews.com
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