A importância de ler teoria e trocar vivências no feminismo
A leitura de outras realidades faz falta. A leitura de teoria também faz falta.Discutir possuindo apenas a própria base, tem seu valor. Claro que tem. A troca de experiências tem seu valor. É importante. Tal fato pode ser simplificado da seguinte forma:
“Mulheres são como rios, crescem quando se encontram”
O primeiro passo para que elas se encontrem enquanto indivíduos é saber que não são as únicas a passar por certas experiências. Apreender que certos problemas surgem de uma estrutura chamada patriarcado e seu machismo que funciona como forma manter o mesmo. É de suma importância a troca de vivências, a conversa, a união com outras mulheres.
O problema é que o feminismo não pode ficar só nisso.
É preciso ter uma base teórica, saber a que a mulher está se comprometendo, que tipo de front ela vai se posicionar contra o patriarcado.
A vivência sozinha é um fato. Mas a teoria modifica a leitura da vivência.
Uma vez, uma professora me explicou a questão teórica da seguinte forma:
“O fato está lá, ele não muda nunca. O que muda são os óculos que usamos para justificar esse fato. A visão teórica que temos, modifica a forma como vemos esse fato”
Quantas violências não justificamos por conta da lente patriarcal que deturpa nosso olhar? Por que o machismo, o patriarcado são visões teóricas de mundo. Hegemônicas, ainda assim, teorias e formas de moldar o mundo e o tratamento dado às mulheres. Elas deturpam as mulheres ao olhar do mundo, assim como seus filhos, suas vivências e situações.
Tornar-se feminista é ir contra essa visão teórica de mundo.
Entretanto, ao desfiliar-se de uma certa teoria de mundo, a pessoa termina por afiliar-se a outra. Mesmo que ela assim não acredite. Exatamente por isso que ler teoria é importante: a pessoa sabe a qual teoria está se filiando. Saber com qual teoria a pessoa concorda e segue exatamente, são de grande ajuda. É retomar o controle de seu pensamento, da mesma forma que romper com a teoria de mundo patriarcal o é. Sem isso, ela pode engrossar o coro de algo que ela, ao pensar um pouco melhor sobre o assunto, não concordaria.
Dentro do feminismo, existem uma série de correntes teóricas: como a marxista, a radical, a liberal e etc…
E existem conceitos chave que são tão importantes que estão acima da questão teórica e terminam permeando a todas essas correntes teóricas como a interseccionalidade. Mas existem conceitos que não são adotados de uma corrente para outra, aliás, isso é o mais comum.
Eu não vou defender aqui a minha corrente. Isso não vem ao caso. Mas alguns pontos importantes são:
A questão da estrutura x A questão da escolha.
Ou como uma coisa exclui a outra.
Feminismo individual acredita basicamente em escolhas individuais e não em opressão estrutural. Logo, conceitos que vêm de uma visão de estrutura como maternidade compulsória, ditadura da beleza, heterossexualidade compulsória… São deixados de lado por esse tipo de feminismo.
É um feminismo que acredita em empoderamento contra a estrutura. O empoderamento, tomar o poder para si, significa que o individuo pode sozinho se impor a algo que vem da sociedade e assim, fazer diferente e mudar a própria história. Se ele possuir força de vontade e informações suficientes para isso.
Em alguns casos, isso termina com a pessoa se deixando oprimir ou tomando para si coisas que outras correntes teóricas veriam como forma de opressão.
De acordo com uma visão individual de feminismo, não se acredita que a estrutura te empurre a uma série de decisões diferentes e que terminam por moldar a personalidade e o comportamento do individuo.
Para aquelas que seguem teorias estruturais, há algo acima de todos que molda o comportamento e até mesmo as escolhas de vida dessas mulheres. A opressão está em lugares que o oprimido jamais imaginara e ele se vê obrigado a questionar até onde sua personalidade vai e onde surge a opressão estrutural. E ele é obrigado a perceber que, mesmo que individualmente ele consiga escapar de algumas formas de opressão, a grande maioria não conseguirá por que a opressão não se dá de um para outro, não existe superação individual. Existe sorte e privilégio. E com os dois, ele é sim capaz de escapar de algumas opressões materiais. Nunca todas.
Existe uma força normalizadora, de acordo com Max Weber que empurra as pessoas à conformidade. De acordo com ele, quão mais fora da curva uma pessoa estiver do que é considerado normalidade, mais fortemente o sistema a punirá. Isso envolve não empregá-la por conta de sua aparência ou idéias, colocá-la em um manicômio, punição corporal…
Por isso é importante uma visão crítica para perceber o empoderamento. Sim, o enfrentamento à estrutura é importante, mas é importante perceber que ele receberá as devidas sanções sociais. Se por acaso ela não receber, é por que provavelmente essa pessoa se encontra em um lugar de privilégio social ou econômico. É o lugar social que define o que irá acontecer com a pessoa. Um bom exemplo disso é a questão da apropriação cultural para os não brancos, há sanção por tentar externalizar a própria cultura, para os brancos, muitas vezes é considerado moda e não há a mesma sanção que uma pessoa não branca sofreria por isso.
A noção de privilégio importa muito na hora de sofrer ou não a pressão normalizadora social.
Mas tudo isso, depende, em muito, de qual lente teórica usamos para ver o mundo. Até meu texto que tenta ser neutro e uma exposição é imerso em minha visão teórica de mundo.
Por isso é sempre importante lembrar da regra de ouro que até o jornalismo descobriu há muito.
Não existe imparcialidade nem neutralidade.
Por mais que tentemos, até a escolha de palavras leva à uma parcialidade e ao nosso lugar de mundo.
Por isso, se aproprie do conhecimento.
Por Setsuna Alave, originalmente publicado em seu medium.
Imagem destacada: 4 Women Reading Aloud, Julius LeBlanc Stewart
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