Psicohumanismo não-patriarcal
Há quase 1 ano , o feminismo entrou na minha vida. Sou grata a Deusa por ter promovido nosso encontro, ele não foi mágico, não teve fogos de artifícios, mas veio através de um grupo que participo no Facebook que me fez descobrir o poder do patriarcado sobre a mulher e o social. Pergunta se parei de pesquisar sobre o assunto? Não, ela continua e sempre revelando fatos que precisamos discutir em tempos de conservadorismo que não é novo, mas tem se espalhado como um câncer em nossa sociedade.
Há 3 anos, descobri uma doença que pelo menos desde os 15 anos me acompanha. O nome dela: Depressão. Ih, lá vem ela. Isso é o que a sociedade diz quando falamos disso que é para mim a doença que mais revela o caos do humano civilizado. Pergunto para você: Quantas pessoas você conhece que tem o diagnóstico de depressão, toma remédios controlados e faz tratamento psicológico? Tenho certeza que pelo menos 1 pessoa que você tem algum tipo de relacionamento está como descrevi.
O que a depressão e o feminismo tem em comum? Um espírito de denúncia. Nossa sociedade está doente e a culpa disso é do processo civilizatório. Vai soar estranho pra você, talvez eu seja acusada de generalista, mas me acompanha e quem sabe você consegue entender aonde quero chegar. As três maiores religiões do mundo: Islamismo, Judaísmo e Cristianismo são fundadoras de um projeto de sociedade de supremacia patriarcal com objetivos claros de expansão, nesse sentido esta última se destaca, pois ao se tornar a religião oficial de um império em decadência selou o destino do novo mundo a surgir.
Numa sociedade patriarcal, a supremacia masculina é lei. A mulher estava sempre em segundo plano, não contava nos censos e nem nas decisões, seu casamento muitas vezes era arranjado e seu futuro selado muitas vezes desde a infância é o casamento com vistas a reprodução e continuação da genealogia, seguindo os preceitos presentes na Torá, mas também instintivos do humano de preservação e continuação da espécie. A religião cristã nos tempos do medievo , tornou-se claramente um projeto de poder e expansão. Indulgências que muitas vezes não poderiam ser pagas em troca de menos dor para o parente que morreu e foi para a outra vida ou então a promessa de um lugar no reino dos céus após a morte fez com que a igreja possuísse terras e reinos da Europa medieval, mas não se limitou só a isso.
A partir da descoberta do novo mundo e a corrida para as índias , civilizar o novo mundo significava trazer o projeto patriarcal de sociedade em sociedades matriarcais/matrilineares e sobrepujar a espiritualidade alheia. O binarismo certo, errado, bom, ruim, justificou mortes inocentes e escravizações além de fazer com que os povos ameríndios e africanos “sem alma” pagassem o preço injusto da ganância dos governos “abençoados” pela igreja que enviou seus missionários para civilizar os incivilizados, não importando sua cultura ou avanços tecnológicos e sociais que esses povos poderiam ter. O objetivo era claro: civilizador, econômico e religioso com a pecha de que Deus era Europeu, Branco e Cristão e o mundo deveria também o ser.
Psicohumanismo não-patriarcal, o que é?
Como segunda classe, sexo frágil, responsável pelo lar e pela educação , foram poucas as vezes registradas pela história em que o paradigma patriarcal foi balançado com mulheres empoderadas como Joana D´Arc. Mulheres a frente do seu tempo eram consideradas loucas, caçadas como bruxas e categorizadas como seres cujo o útero poderia chegar a cabeça e provocar diversas alterações , inclusive aquela causadora da histeria freudiana que se relacionou ao feminino.
O Empoderamento feminino foi um processo longo que começou no século XIX e teve seu auge com o feminismo da década de 60/70. As mais diversas teorias surgidas nessa época denunciavam uma sociedade patriarcal calcada na moral religiosa que provocava a opressão feminina desde que o mundo é mundo. O ganho trazido pelo feminismo foi gigantesco ao passo que a sociedade precisou assistir a mulher sair do lar para o espaço do trabalho, inclusive em funções e profissão estritamente masculinas, além de testemunhar o empoderamento dos corpos e do prazer feminino chocando a moral cristã com um empurrãozinho da revolução sexual ocorrida neste período.
Mesmo assim, há uma bela luta a ser travada, ainda não há total liberdade sobre os nossos corpos, desejos, muitas vezes oprimidos pelo patriarcado heteronormativo, mas muito mais do que isso há uma outra luta que precisamos falar e está intimamente ligada ao que é ser feminino. Aprendemos desde criança , o poder da química das emoções e seus efeitos sobre nós, como por exemplo, a influência hormonal na vida da mulher e a fragilidade que isto traz em momentos como o período pré-menstrual ou a gravidez. No passado, não compreendendo o corpo e o poder químico cerebral que desperta na mulher , maridos eram orientados a trancar suas mulheres para conter suas emoções, paixões e principalmente o desejo sexual. A mulher do lar era aquela do sexo com vistas a reprodução, a mulher da taverna era a mulher com vistas ao prazer e sempre o prazer masculino e não pense que era só no medievo, Foucault relata que isto já ocorria desde a Grécia antiga.
Atualmente as doenças mentais em geral tem necessitado uma atenção cada vez maior de governos e organizações ligadas a saúde. Segundo reporta a Folha de SP em 2014, a depressão para a OMS é a doença mais incapacitante de nossos dias e na pesquisa apresentada na reportagem atingiu 88% das entrevistadas e 12% dos homens. Apesar de ser alarmante, temos um problema que para mim é urgente, uma sociedade doente que é psicofóbica. Sim , Senhoras e Senhores, se você conversar por aí , vai ouvir de muitos:
- Depressão é Falta do que fazer
- Depressão é coisa de mulherzinha
- Depressão é fricote
- Dá uma surra nela que ela sai da cama facinho.
O mal do século é tido como frescura enquanto atinge homens e mulheres e engrossam as estatísticas mundo afora. Num passado , não muito distante, o Hospital segundo o Ministério da saúde (1965):
Hospitium era chamado o lugar em que se recebiam hóspedes. Deste vocábulo derivou-se o termo hospício. A palavra hospício foi consagrada especialmente para indicar os estabelecimentos ocupados permanentemente por enfermos pobres, incuráveis e insanos. Sob o nome de hospital ficaram designadas as casas reservadas para tratamento temporário dos enfermos. Hotel é o termo empregado com a acepção bem conhecida e universal.
Partindo do antigo Hospício ao hospital na modernidade, o hospício ou manicômio se tornou o local reservado e acolhido socialmente como espaço em que se abrigavam e ainda abrigam aqueles indivíduos taxados como Loucos, Anormais, pessoas que não se encaixam no padrão normativo mental de nossa sociedade patriarcal. Longe de querer tecer uma história da loucura, convido o leitor a pesquisar e ler com atenção a evolução dos meios de coerção estatal e estruturas sociais que deram origem ao biopoder e a uma vida em meio a vigilância perpetrada a serviço da liberdade. Esse contrassenso a meu ver fica explicado em a História da loucura , da sexualidade e do poder nos textos escritos por Foucault.
Hoje a luta antimanicomial milita em favor da convivência das pessoas desencaixadas do padrão mental normativo e procura demonstrar que podemos contribuir para sua vida e convivência entre homens e mulheres considerados sãos em uma sociedade entorpecida pelo caos civilizatório que luta contra o tempo e contra vida em favor do crescimento econômico. A expansão do passado não tão remoto, cobra o alto preço de uma sanidade impossível em uma viver competitivo, pragmática e não compassivo. O que pode te provocar a pergunta, o que é esse tal Psicohumanismo não-patriarcal?
Esse termo nasceu comigo há quase 1 ano por conta da minha apreensão teórica na questão do feminismo e da militância antipsicofobia. É uma utopia teoria que destaca o humano como centro e transcende a questão biológica. Ela nasce do existir que provém do pensar inscrito na famosa frase “Penso, logo existo”. Apesar de muitos julgarem ultrapassada a problematização de Descartes, ainda é para mim primaz a produção do conhecimento , da experiência do cotidiano e do social. O que nos torna humanos é a racionalidade, a nossa psiquê nos destaca no reino animal e torna possível a ação em prol da expansão seja de territórios, bens ou capital.
O mal do século pede a valorização da saúde mental da humanidade, como parte primordial para continuação da nossa existência. Faz-se necessário , uma nova consciência que torne a psique alvo das nossas ações em favor da preservação da humanidade. Para mim, apesar de saber o quanto a racionalidade e a animalidade masculina produziu construtos sociais capazes de oprimir e tornar ilegítimo a presença feminina na humanidade, acredito que o feminismo que busca igualdade de gênero ou a quebra da identidade de gênero coopera para a transcendência da visão patriarcal e hierárquica de mundo e da lugar ao humanismo que atenta para a construção de uma sociedade que possa aprender a valorizar a mente e a saúde desta funcionalidade que nos permite existir e sobrepujar mazelas trazidas pelo processo civilizatório que tantos males nos trouxe.
Este texto é um convite a sonhar, mas também uma provocação a pensar em tornar possível o brotar desta corrente de pensamento e porque não, teoria. Além disso , percebo o quanto o debate sobre a influência química e social sobre a mente humana precisa ser analisada, principalmente em períodos como este: O Século do homem desbussolado. Nesta perspectiva, convido a comentar sobre o que foi apresentado e ler os textos base para essa nova tese psicossocial .
Clique nos links , procure nossas sugestões bibliográficas para se informar mais e não esqueça de deixar seu comentário e compartilhar nosso texto:
Livro do Ministério da Saúde sobre a história e evolução dos Hospitais
O Mito da Inferioridade da Mulher
Depressão é a doença mais incapacitante para a OMS
Mulheres, cuidados e reforma psiquiátrica brasileira
Histeria, Luta Antimanicomial e Feminismo
Histeria ainda hoje, por quê?
É possível uma história da histeria?
Por Anamaria Modesto
Post originalmente publicado no medium da autora
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