Deixar a velha política morrer
Faz cerca de um ano. E eu tenho orgulho de ter sido uma das milhares de pessoas que se mobilizou contra o golpe.
Fervi nos grupos de debate, promovi encontros de discussão na minha casa, conheci o tal estado de “alegria guerreira”, fiz laços , afirmei parcerias, organizei o primeiro ato de mulheres com Dilma, em Brasília, estava no Palácio quando ela foi impichada, voltei pro aeroporto ao pôr do sol rosado escutando a voz macabra do presidente interino no rádio. Nunca mais pisei em Brasília.
Hoje fui pegar a Folha de São Paulo na caixa de correio com mais curiosidade que o normal. Queria saber como o jornal se posicionaria depois do caso da censura. Pelas manchetes e a edição da primeira página, fiquei com a nítida sensação de que o jornal desembarcou do governo – sim, é preciso ver daqui pra frente.
A cada dia fica mais clara a intenção do golpe como a forma possível de “estancar a sangria”. A última carta na manga da velha política. E aí juntamos a isso à sangria econômica, aos erros brutais do PT, à justa revolta da população diante das descobertas da lava-jato e… o bote, o golpe.
Quase um ano depois do início deste ciclo, vejo muita gente perplexa. Desembarcando. Se sentindo traída. Gente que vestiu verde amarelo contra a corrupção numa luta ingênua, gente que não tinha ódio do PT, mas que simplesmente acreditava que o Brasil melhoraria – segundo os jornais a economia parou de piorar (mas a vida concreta ficou inúmeras vezes pior, porque o pacto quebrado com golpe reverbera em todas as instâncias abaixo do poder máximo. Assim como a eleição do Trump empodera pequeno líderes fascistas, o golpe estimula todo tipo de quebra do pacto social, como estamos vendo e vivendo desde então).
Penso nos ingênuos até com certa compaixão – pode soar ridículo, mas é verdade. Não era nada do que vocês achavam que seria. Era simplesmente “limpar o chão com bosta”, como definiu o Gregório Duvivier.
Penso no isentões intelectuais que não sujaram as mãos na defesa da democracia porque, não queriam, em alguma medida, defender o governo do PT, e me pergunto: sentem culpa, remorso?
Penso nos isentões metralhadora giratória da rede e me pergunto: não é desonestidade intelectual dizer que os dois governos se equivalem? Até quando este ponto pode ser sustentável?
E, sobretudo, penso no futuro. A cada atitude calhorda deste governo, em mais e mais setores da população aprofunda a convicção de que político é tudo igual, de que ninguém presta, de que melhor-privatizar-tudo-porque-aqui-não-deu-certo, de que tá na hora de pintar um outsider pra nos salvar de nós mesmos (e assim retornamos a uma outra versão do sebastianismo…)
E torço pra que cada vez mais pessoas, grupos, setores da sociedade e veículos saiam desta roubada chamada governo Temer. E que o Brasil seja capaz de deixar a velha política morrer asfixiada no próprio chorume.
Por Antonia Pellegrino
Imagem destacada: detalhe de “A Justice Meeting” de Isaac Cruikshank
Comments
Comentários