Política e mulheres outsiders
“A fixidez do estado de espírito dela foi rompida pela ação de caminhar.” (A viagem, Virginia Woolf)
O fenômeno social que aqui analiso é o machismo e a violência simbólica sofridos pela ex-presidente Dilma Rousseff, que se acentuou em 2015 e contou com manifestações como a do jornal El País, que veiculou uma matéria intitulada “Vaca, até quando?”, que discorre sobre o machismo na política e que refletiu, mais nitidamente, aspectos da nossa sociedade machista.
Em julho de 2015 o Ministério Público entrou com uma denúncia contra adesivos agressivos que mostravam Dilma de pernas abertas. O machismo continua com a hashtag #tchauquerida. Formas veladas (ainda) de demonstrar como a sociedade é machista.
Becker, em seu livro Outsiders, escrutina a ideia do desvio que, segundo ele, é tudo aquilo que não segue as regras. Ainda segundo ele, todo desvio de certa maneira é criado pela sociedade. A imagem da ex-presidente Dilma Rousseff, que veio sofrendo violência simbólica ao longo do mandato, violência essa que só se intensificou o machismo naturalizado e sua reprodução (inclusive por parte das mulheres) nos faz pensar de como uma sociedade patriarcal lida com a mulher no poder. “Vaca” torna-se não só um xingamento, mas uma extensão do machismo, reproduzido sem ser percebido por boa parte de cidadãos – e cidadãs – maculadas pelo ódio ingerido através de palavras midiáticas.
Dilma está sendo acusada por crime de responsabilidade, por ter cometido operações fiscais irregulares em um governo que já havia demonstrado fragilidade. O debate que se evidenciou foi de que muitos já haviam feito a mesma coisa que Dilma fez em seu governo, o mesmo processo e que ainda fazem, mas estão no poder. E por que Dilma sofreu o impeachment? Além do jogo político, é interessante analisar pelo viés do livro Outsiders:
“O grau em que um ato será tratado como desviante depende também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele. Regras tendem a ser aplicadas mais a alguma pessoas do que outras.” (BECKER, p.25).
A lei foi posta para um, porém não é feita para todos. Com isso, pode-se pensar que a onda do discurso de ódio tomou proporções grandes, e que Dilma foi afrontada diversas vezes por ser mulher. O machismo no Brasil, ainda é natural e vivenciado diariamente. Bourdieu, no livro “A dominação masculina”, declara que a violência simbólica é uma violência espiritual – achamos que só há violência quando esta é física, por isso a violência simbólica, muitas vezes, é vista como algo natural.
Dilma, por ser uma mulher – e uma que não é submissa, cuja imagem reflete austeridade – foi tomada pela imprensa como sem carisma. Tampouco seus atributos físicos representam o padrão da mulher ideal – ela foi também chamada de “sapatão” por não ter um homem ao lado. “De maneira, semelhante, podemos descrever como desvio qualquer coisa que difere do que é mais comum”, diz Becker.
Inversamente, Temer tem a sua mulher ao lado, a mesma cuja imprensa definiu como “bela, recatada e do lar”. Mais uma vez a nossa sociedade machista se apresenta. Bourdieu diz que a força simbólica das formas de poder exercido sobre corpos – diretamente, como que por magia, sem qualquer coação física – só atua com apoio das predisposições sociais, colocadas como molas propulsoras na zona mais profunda desses corpos. Os atos políticos cometidos no governo são passíveis de julgamento, porém, a destituição da presidente é totalmente absurda e questionável sob a ótica em que a política se apresenta: os dominantes, os parlamentares, na sua maioria homens brancos, de classe média alta, machistas, pastores… os julgadores que deveriam estar sob julgamento por seus inúmeros atos ilícitos e corruptos.
Desviantes são aqueles que quebram as regras. Mulheres, em uma sociedade patriarcal, estão o tempo todo tentando quebrar regras impostas – adquirindo mais espaço na política, exigindo direitos iguais. De novo com Becker: “é verdade, em muitos aspectos, que os homens fazem regras para as mulheres em nossa sociedade.”
Ser diferente, lutar pelos aspectos mais providenciais de uma estrutura social, em que as mulheres comecem a ser respeitadas em todos os meios, seja ela no campo social, no campo político ou comercial, é ainda uma árdua caminhada feminista.
Exemplo melhor é do dia da votação, no Congresso, pela abertura do processo de impeachment da presidente, quando deputadas foram vaiadas, impossibilitadas muitas vezes de terminar a fala. A discriminação contra mulheres foi um ato vergonhoso nesse dia. A legitimidade da ex-presidente foi perpassada não somente por critérios jurídicos, mas por valores morais. O afastamento de Rousseff é caracterizado por manobras políticas, sustentadas por uma mídia manipulativa que contribui para a manutenção de uma sociedade sexista, que gosta de se fazer de cega quando convêm.
Pensar sobre o machismo, questioná-lo, lutar por igualdade de direitos ainda é uma construção feminista diária, para que quando outra mulher assuma um cargo tão importante quanto a presidência, que as críticas sejam justas, e não porque o cargo de poder é ocupado por uma mulher.
Por Talita Morais
Imagem destacada: Jornal Livre
REFERÊNCIAS BIOBLIOGRÁFICAS:
BECKER, Howard S. Outisiders Estudos de Sociologia do desvio. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. cap.1
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2002. cap1.
ROSSI, Marina. Vaca até quando?. El País. São Paulo. 9 de mar, 2015.
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