NOTAS SOBRE A VOTAÇÃO
1. Jair Bolsonaro: “Nesse dia de Glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história pela forma como conduziu os trabalhos nessa casa: parabéns, presidente Eduardo Cunha. Perderam em 64, perderam agora, em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve (sic), contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, por Deus acima de tudo”.
Veja o vídeo.
Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o único torturador reconhecido pela Justiça enquanto tal. Durante o período que Ustra chefiou o DOI-CODI do II Exército de São Paulo foram registradas mais de 500 denúncias de tortura – e sabe-se que esse número é muito abaixo do número real. O Comitê dos Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo relaciona Ustra diretamente com mais 60 mortes e desaparecimentos.
Foi Amelinha Teles, militante feminista desde a década de 1960, que conseguiu que Ustra fosse reconhecido como torturador. Amelinha e seu companheiro, César Teles, foram torturados no DOI-CODI por ordens de Ustra.
Diferentemente do que está sendo divulgado, Dilma Rousseff não foi torturada por Ustra, mas, como ela também foi perversamente torturada, Bolsonaro escolheu um nome símbolo da tortura na Ditadura Militar para “homenagear”. Quis ferir Dilma duplamente.
Esse deveria ser um ponto inegociável da Justiça e da política brasileiras: não permitir que discursos de ódio fossem ditos na Câmara dos deputados. É uma violência brutal não só com Dilma, mas com todos aqueles que foram torturados, com a memória dos que morreram e com os familiares que ainda lutam por Justiça.
Não há palavras para descrever esse horror que ainda foi proferido junto com a palavra liberdade e em no nome de Deus. Não é traumático apenas para Dilma, essa é uma ferida aberta, é uma dor contínua. Não houve julgamento. Não houve Justiça.
Não podemos deixar de nos espantar com esse tipo de discurso, até porque ele legitima discursos e ações de ódio contra pessoas em situação vulnerável, com menos condições de se defender do que Dilma. Pessoas como Bolsonaro legitimam aquilo que há de mais abjeto nas estruturas de poder. E essas estruturas atingem a todos nós.
Quando uma feminista aponta o discurso misógino contra Dilma, ela está apontando uma estrutura que atinge todas nós – ainda que de maneira e intensidade diferentes.
O discurso de Bolsonaro também deixa evidente aquilo que já prevíamos: Cunha não saíra da presidência da Câmara. Inclusive, todos os discursos contra ele foram vaiados. Existe uma intenção do Congresso de mantê-lo no poder.
2. Marco Feliciano: “com a ajuda de Deus, pela minha família, pelo povo brasileiro, pelos evangélicos, da Nação toda, pelos meninos do MBL e do Vem Pra Rua, dizendo que Olavo tem razão e dizendo tchau para essa querida e tchau para o PT, Partido das trevas”.
Veja o vídeo.
Escolhi as falas de Feliciano e Bolsonaro, porque elas representam a tônica da noite de ontem: parlamentares afirmando que seu voto pelo impeachment representava o povo brasileiro, quando sabemos que o povo brasileiro elegeu Dilma com mais de 54 milhões de votos e não foi consultado sobre o impeachment.
Esse “povo brasileiro” se refere cinicamente a uma ligação espúria entre a Fiesp, a imprensa e as classes mais altas da sociedade.
As intenções ficaram evidentes nas falas: personalizar a corrupção em Dilma e no PT, deixando a estrutura corrupta intacta – para continuarem se servindo dela. Não se fala em reforma política e se fala muito pouco do relatório da Comissão de Impeachment. É um Tribunal de Exceção.
O interesse não é a Justiça, mas a eleição indireta de um presidente capaz de implantar um governo radicalmente neoliberal. O que está em jogo é um ataque ainda mais duro aos direitos dos trabalhadores, o fim dos programas sociais e um governo que sirva diretamente aos interesses dos empresários que financiaram suas campanhas. E fazem tudo isso se isentando de responsabilidade, como se fossem meros instrumentos de Deus.
O nome de Deus colocado ao lado do nome de torturadores, o nome de familiares sendo usado como escudo para interesses individuais.
A verdade é que esse Congresso formado, em sua maioria esmagadora, por homens brancos de classe alta não representa a população, mas aqueles que financiaram as suas campanhas. Precisamos discutir reforma política, cotas/reserva de vagas, não é mais possível aceitar que alguém que debocha de uma deputada em licença maternidade, que agride mulheres e LGBTS quando eles tentam se expressar, ou seja, que legitima discursos de ódio esteja falando como se representasse o povo. Eles representam outro Deus, como diz Agamben, o Deus dinheiro.
Não nos reconhecemos no espetáculo tenebroso de ontem.
Por Daniela Lima
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