patriarcado e a votação do impedimento
a votação no congresso sobre a abertura do processo do impeachment de dilma rousseff resultou numa maioria de sim. rousseff ainda é presidenta: falta o senado votar se o processo terá ou não continuidade. caso o senado decida dar continuidade, a presidenta eleita é afastada, e o prazo para formação da comissão do impeachment é de 180 dias. só então haverá decisão.
se é crime de responsabilidade, ou golpe parlamentar, ou os dois, ou nenhum, está por ser visto.
o feminismo denuncia, expõe, critica, resiste e luta contra essa coisa que chamamos patriarcado, palavra que exprime um conceito e à qual adicionamos outros qualificadores, como heteronormativo, e branco. muitas feministas usam a palavra porque o que ela representa existe. é só olhar para os números dos mais altos cargos de poder institucional, coisas como diretorias de órgãos multinacionais, ou governos ao redor do mundo, a indústria, e assim por diante.
na votação de hoje a maioria esmagadora dos representantes também eram homens, brancos e heterossexuais (ao menos declaradamente). muitos dos que votaram sim – neste processo cuja existência pode ser justificada legalmente, mas que outros eixos informam – usaram, para tal, justificativas altamente pessoais – em destaque a família, para quem mandavam lembranças e ofertavam o voto. ficou escancarado quais são os valores que, muito provavelmente, vão usar se/quando nos governarem.
a luta pelo direito de existir de formas plurais e dignas, sem medo de sofrer violências, continuará. essas violências são mais passíveis de acontecer com algumas pessoas do que outras em função de uma série de estruturas sociais de preconceito. há evidência, análise e informação sobre isso disponível. e elas precedem, sucedem, perpassam e são perpassadas pelo que está acontecendo agora – que não é mais (se é que algum dia foi) uma ~polarização política.
na votação de hoje, entre gritos de é crime e é golpe, o que sobrou foi misoginia, racismo, fundamentalismo religioso. até fascismo teve.
são coisas assim, vistas como linguagem, como propaganda, que constroem o inimigo abjeto. todo esse horror acontecendo na seara do simbólico tem consequências das mais graves quando a materialidade desses discursos se expressa em corpos dissidentes.
sobra ódio para quem não pensa igual a eles, pra quem não se parece com eles, pra quem não vive como eles.
não precisa imaginar os resultados materiais desse tipo de discurso – como já disse, produz-se bastante sobre o assunto. mas se não quiser saber, bom, daí não posso ajudar.
há quem tenha justificado seu voto com a seguinte asserção: “para me reencontrar com a história, voto sim.” muito revelador e indicativo do tal patriarcado. falou-se muito na “minha família, minha cidade, minha igreja”. esse meu, minha, eu é o próprio mimimi, e vejam só de quem ele veio. e não esqueçamos do já mencionado “pela família, deus, propriedade”. voto sim pelos meus. pelo que é meu e sempre foi, pela mesma coisa de sempre.
não é apenas o afastamento de um governo com o qual se concorda ou não (porque “gostar”, francamente, não é categoria de análise política nenhuma), é com a manifestação indiscutível de valores patriarcais dos mais retrógrados e opressores. a gente sabe qual é a cor e o formato dessa família…
a votação expôs bastante dos “ismos” a que uns se referem pejorativamente e como se todos fossem parte do mesmo pacote. as palavras, elas também denotam pensamentos, elas denotam atos. se um é o que faz, um também é bastante o que fala. como um se comunica, como se justifica, fala alto.
se é ou não é esse ou aquele golpe, veremos. mas um golpe do #patriarcado heteronormativo branco, e mais um, de tantos, isso é.
#cenasdoproximocapitulo
Por Joanna Burigo
Agradecimentos: grupo Feminismo e a política nacional
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