Política é coisa de mulher

A representatividade feminina na política nacional é escassa. Chegamos a ter uma presidenta, que está afastada do cargo por conta do que muitos vêm chamando de golpe jurídico-midiático. O partido da presidenta afastada, o PT, foi sistematicamente desmoralizado pela grande mídia, gerando ódio em certos setores da sociedade brasileira em relação à legenda que – até onde se sabe – não interfere nas investigações de corrupção.

Temos uma governadora de estado (Sueli Campos, de Roraima), poucas deputadas, poucas senadoras, e desde o afastamento de Dilma Rousseff não temos mais nenhuma mulher encabeçando um ministério.

Representatividade importa. Muitas das mulheres que ocupam cargos políticos atualmente não estão a par das principais demandas do movimento feminista.

O feminismo é um movimento político por excelência, no sentido de que quem está no movimento está buscando soluções reais para problemas reais. Feminismo não é apenas sobre empoderamento pessoal do tipo “eu posso, eu quero, eu consigo”.

É juntar-se a coletivos e priorizar a situação de vulnerabilidade das mulheres – como mães solo em busca de trabalho e redes de apoio – é sobre combate à violência nas periferias, combate à cultura do estupro, combate à cultura misógina do ódio às mulheres (que atinge todas as classe sociais – vide a ex-modelo Luiza Brunet que, aos 54 anos, foi brutalmente agredida pelo companheiro bilionário), é sobre a pauta do aborto, principalmente em casos de estupro e em que haja risco de vida para a mãe. Feminismo é sobre a pauta do parto com respeito, em detrimento da cultura cesarista que se instalou no país, tornando o Brasil o campeão mundial em realização de cesáreas (em números: o Brasil não é “campeão” por realizar cesáreas com sucesso, mas sim por realizar cesáreas desnecessárias, sem indicação clínica, o que aumenta o número de mortes maternas do país). Sem falar na maternidade compulsória, com a recusa de se fazer esterilização feminina a pedido da mulher sem o consentimento de um marido. Como dizem as feministas: “meu corpo, minhas regras”.

Fora a atual crise política e a aproximação das Olimpíadas, 2016 ainda é ano de Eleições Municipais. Estamos praticamente de mãos atadas diante do cenário de corrupção em que se encontra o governo federal, já que nenhum protesto, greve ou petição tem surtido qualquer efeito para sensibilizar o Congresso, que já possui provas mais do que suficientes de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade.

Por isso acho que a mudança na situação nacional deveria começar a acontecer “pelas beiradas”, ou “de baixo para cima”. É preciso começar a buscar uma estratégia para obtermos maior representatividade feminina na política brasileira.

Os coletivos feministas e as feministas têm, agora, um grande chance de se preparar para as Eleições em Outubro. Vale procurar por candidatas à Prefeituras municipais e estabelecer diálogo sobre o movimento. Vale também divulgar apoio às candidatas que já conhecem o feminismo.

Candidatas que não se consideram feministas e lutam por manter determinados padrões que perpetuam a opressão sobre a mulher merecem o apoio das feministas? Merecem, mas não sem antes ouvir o movimento.

Precisamos levar em conta os avanços que o feminismo conquistou. Pergunte a qualquer mulher se ela toparia ser obrigada a usar somente saias e vestidos, ou ser proibida de trabalhar fora, ou de não querer ser mãe. Se as respostas forem “não”, e a possibilidade desse não existe, é graças ao feminismo. Somos todas feministas – foi graças às mulheres que lutaram antes de nós que, hoje em dia, temos esses “direitos”.

Muito se discute a representatividade com questões como “vale a pena ter uma mulher prefeita se ela não vai governar com enfoque nas mulheres?”. Mas para o movimento feminista, representatividade é de suma importância. Realmente, não basta ser mulher. Não basta só “não querer ser obrigada a usara saia”. Também tem que ter representatividade com consciência. E essa consciência é, justamente, o que deve ser criado, divulgado e estabelecido para que ocorra uma mudança real na situação da mulher brasileira.

Em vista disso, já há, inclusive, um partido sendo delineado para pensar exclusivamente em políticas para as mulheres. Ele se chama PartidA, foi idealizado pela filósofa e escritora Márcia Tiburi (que vem debatendo o assunto desde o ano passado), e é o primeiro partido político brasileiro declaradamente feminista. Uma maneira de participar é entrando em contato com as organizadoras para abrir filiações pelo país, facilitando assim o encontro entre feministas interessadas a se candidatarem e potenciais eleitoras, bem como conjecturar sobre as principais pautas do movimento.Apesar de não ser exatamente uma consequência direta da “Primavera das Mulheres” de 2015, o partido vem ao encontro das demandas femininas. Essas vozes começaram a ser ouvidas depois que o machismo latente da sociedade brasileira foi exposto nas redes sociais denunciando o assédio sexual que as mulheres sofrem desde a infância, ilustrado pelos comentários pedófilos a respeito da menina Valentina, que participava do programa Master Chef Jr.

Agora é torcer para que essas vozes que se alteraram para defender as meninas que são abusadas ainda na primeira infância não se calem, e que falem cada vez mais alto para que o feminismo consiga, enfim, conquistar uma de suas principais demandas, que é também um dos direitos mais básicos de qualquer ser humano: a segurança física das mulheres.

Política é coisa de mulher, porque caminhar em segurança nas ruas é político.

Por Andreia Nobre
Imagem destacada: daqui 

 

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