Feminismo, minha mãe e eu

Hoje, faz quatro anos que minha mãe morreu. Escrevi uma parte desse texto quando ela foi diagnosticada com leucemia, e o texto fala da história real de duas mulheres que conviveram com menos amor entre si do que poderiam, em decorrência de uma sociedade machista que, ao nosso redor, nos moldou para nos odiarmos. Ele fala da história de erros e acertos entre vida e morte, sem final feliz. Fala da vida que as vezes nos separa, e da morte que as vezes, nos une. Esse texto fala de mim e da minha mãe.

Quando recebi o diagnóstico percebi o tamanho da cura que precisava fazer em mim em relação a minha mãe. Porque é quando você está diante da possibilidade de perder sua mãe que você entende, de forma maior, o que uma mãe significa na história de qualquer um.

Então eu percebi que dentro do meu coração estava minha mãe, com todas as coisas maravilhosas que ela me trouxe. Um profundo sentimento de gratidão por tudo que ela me deu e por tudo que me tornei através do que passei com ela surgiu em meu coração.

Sou grata a tudo porque hoje, dentro da minha alma, tem a imagem da minha mãe verdadeira. Sabem o que isso significa?

Que amo profundamente minha mãe com todas as dores e delícias que ela tem. Digo todas porque são todas mesmo! E faço uma proposta a você que ainda não fez as pazes com sua mãe de verdade: faça as pazes com ela hoje!

Se não sabe como fazer isso, vou te contar como eu fiz.

Um dia eu percebi que essa mãe ideal que carregamos dentro de nós (sabe essa mãe que não erra, que não nos abandona nunca, que nos acolhe, que faz tudo tão certinho, que esta sempre disponível, que é maravilhosa, linda, amorosa, exemplo, que nunca se descontrola que nunca mente, imaculada, sabe essa mãe?) não existe em lugar nenhum do mundo!

Essa mãe é uma substituta muito da fajuta que criamos para colocar no lugar daquela mãe que existe de verdade. Mãe que existe de verdade, erra, tem crise, paga contas no final do mês, tem crises com marido, com o trabalho, chora, sofre, teve traumas também, tem que dar conta da casa, tem lutar contra essa doença social nojenta chamada machismo. A mãe que não faz tudo certo é humana, ou seja, é a unica que existe. Essa aí que te enganou até agora, não pode existir: ela vive só no mundo das idéias.

Claro que ela foi importante, afinal ela fez com que você contestasse muitas coisas e fizesse diferente, com isso coisas novas e valiosas surgem.Mas chega uma hora que já esta bom, o tempo dela já passou, e nós temos que aceitar que ela não ajuda mais, aliás só atrapalha, porque não nos dá a oportunidade de fazermos as pazes com a única mãe que temos.

Feche os olhos, visualize a mãe ideal, abrace-a, agradeça. Agora fale para ela ir embora, porque a mãe de verdade precisa ocupar seu lugar.

Então experimente fechar os olhos, visualizar essa mãe ideal, abraça-la, agradecê-la e falar para ela que agora ela tem que ir embora, porque sua mãe de verdade precisa ocupar o lugar dela!

Esteja aberto para receber as coisas incríveis que sua mãe tem para te dar.

Descobri na minha mãe de verdade uma mulher incrível, cheia de maravilhas, cheia de coisas que por muito tempo não recebi, que pena, mas que agora posso receber! Minha mãe em especial tem uma alegria, uma boa vontade, uma capacidade de perdoar e de levar a vida leve que, por favor, a outra mãe não chega nem perto! Minha mãe de verdade é linda, talentosa, engraçada, divertida, amável… e tem um colinho, que juro, não tem nada melhor!

Vai lá, manda essa mãe de mentira embora e se joga na mãe de verdade! Faça as pazes com sua mãe, e você vai ver seu peito se encher de amor e gratidão! E você nunca vai se sentir tão satisfeito em toda sua vida!

Muito tempo passou e eu descobri ainda mais sobre minha mãe. Descobri que ela foi uma sobrevivente, que lutou incessantemente com a única arma que tinha, a alegria, contra as dores que esse sistema opressor provoca em nós mulheres todos os dias.

Descobri que a doença que matou minha mãe, a melhor pessoa da minha vida, foi o machismo e não a leucemia.

Talvez hoje vocês consigam entender o fervor da minha luta, meu amor pelo feminismo – esse espaço mais do que sagrado que foi criado por mulheres que lutam por outras mulheres – talvez agora vocês entendam que eu tenho um buraco no peito que nunca vai fechar enquanto qualquer uma de nós ainda morrer, seja por feminicídio, seja pelas doses homeopáticas diárias de desamor próprio ou anulação da própria individualidade, pela tristeza de nunca podermos ser nós mesmas.

E eu? Eu me tornei uma mulher que vai lutar até os últimos dias pelo direito de outras filhas envelhecerem com amor ao lado de suas mães.

Nenhuma a menos. Seguimos juntas <3

Por Milene Mizuta, de quem também é a imagem destacada. 

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