O que é linchamento?
O que é linchamento real, físico e letal? O que é “linchamento virtual”? Aliás, linchamento virtual existe? Caso exista, estes atos diferentes que chamamos pelo mesmo nome (equivocadamente), são iguais ou diferentes? É possível compará-los como equivalentes?
O que é ameaça? Qual a diferença entre linchamento real-físico-letal e ameaça?
A quem (e ao quê) interessa confundi-los e falar deles como equivalentes? A quem (e ao quê) interessa confundir autodefesa com linchamento?
A quem (e ao quê) interessa confundir a autodefesa de pessoas negras (grupos histórica e brutalmente oprimido) com o linchamento, quando sabemos que a origem dessa palavra e dessa prática desumana “vem justamente da queima e da mutilação de corpos negros em praça pública” (Rosana Pinheiro Machado, imagem abaixo), numa confusão claramente perversa e cruel da parte de quem confunde essas coisas tão diferentes?
A quem (e ao quê) interessa confundir a violência sistêmica-estrutural-estruturante do/a opressor/a com a reação de quem é histórica e secularmente oprimido/a, como se ambas as coisas fossem iguais, simétricas e equivalentes (quando, de fato, não o são – nem de longe)?
A quem (e ao quê) interessa (e serve com assustadora eficiência) a confusão entre: as reivindicações e protestos pelo fim de opressões sistêmicas, brutais e históricas com uma prática violentíssima que vitimizou e ainda vitimiza principalmente as pessoas do grupo oprimido, em uma “lógica” que se mantém doentia, perversa, injusta e desigual?
A quem (e ao quê) interessa criar tanta confusão e não trazer discernimento para uma discussão urgente, da qual, dependem, de fato, a vida e a sobrevivência de boa parte da população brasileira, a saber, a população não-branca?
A quem (e ao quê) interessa endossar ou ser omisso/a, passivo/a e condescendente (indireta ou diretamente) com discursos que defendem direta ou indiretamente a manutenção de privilégios sistêmicos e, ao mesmo tempo, silenciar e condenar discursos que questionam estes mesmos privilégios?
A quem (e ao quê) interessa confundir imediatamente o apoio às reivindicações e lutas de pessoas e grupos oprimidos/as com ~apoio à violências~ como “linchamento virtual” (suposto e ainda não comprovado, aliás!)?
A quem (e ao quê) interessa equiparar, de forma equivocada e confusa, a reação discursiva de pessoas e movimentos negros diante de um texto explicitamente racista com um crime pavoroso e mortal como o linchamento, para então justificar a manutenção e reprodução de (ainda mais) ataques, violências, julgamentos cruéis, opressões, deslegitimações e silenciamentos que vitimizam (ainda mais e de novo e de novo e de novo) justamente o mesmo grupo histórica e sistematicamente oprimido no Brasil que, vem conseguindo fazer sua voz ser ouvida, mesmo que minimamente, e, mesmo com tantas tentativas de silenciamento que a branquitude insiste em ter?
A quem (e ao quê) interessa endossar, apoiar e legitimar reações ultra-defensivas de quem oprimiu (que, muitas vezes, se utilizam da perversa e manipuladora lógica da vitimização do/a opressor/a acuado/a diante da reação que sua opressão provocou) e condenar e deslegitimar as justificáveis reações de quem foi e é oprimido/a, sistêmica e historicamente?
A quem interessa continuar protegendo direta ou indiretamente discursos e práticas opressoras e continuar censurando e silenciando as reações dos/as oprimidos/as, de forma tão explicitamente assimétrica?
A quem (e ao quê) interessa (e serve tão “bem”) tanta confusão com as palavras, conceitos, práticas, âmbitos e discursos? Tanto descuido e total falta de discernimento que são muitas coisas, mas não são nem acidentais nem ingênuos?
Que perversos e doentios mecanismos psíquicos são esses acionados majoritariamente pela branquitude, neste momento, usados propositalmente confundindo a violência histórica e sistemicamente praticada no Brasil (mas não só) contra pessoas negras (linchamento) com a reação que pessoas negras têm diante de opressões que as vitimizam (autodefesa, que, pode, sim, ter sido exagerada, algo bastante comum e mais do que compreensível nos raríssimos casos em que vítimas de violência sistêmica conseguem reagir mas que não é, em hipótese nenhuma, igual ou equivalente a linchamento)?
Nas fotos: Thomas Shipp e Abram Smith, Luzinete de Costa Gama, Cleidenilson da Silva, vítimas de linchamentos
Como bem e acertadamente disseram algumas feministas nas redes:
“A gente não quer que homens parem de passar pano para machismo? Quer, né? Então. Da mesma forma, não podemos passar pano para racismo. Num dá, jemt.” “Saber a diferença entre autodefesa e linchamento: uma necessidade.” Joanna Burigo
“Um bom tema pra palestra: autodefesa ou linchamento? entenda as dinâmicas das redes – aplicações contemporâneas de “não confunda a violência do opressor com a reação do oprimido”. ” Alice Porto
“O que quero dizer é: o que aconteceu não foi linchamento, justamente pelo significado real da palavra. Elika alega que recebeu ameaças de morte e xingamentos, e essas ações tem outros nomes. que as pessoas podem chamar de helena, se quiserem. mas não de linchamento.” Debora Oliveira
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Por Cacá Ayra Safi
Imagem: HuffPost
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