Por que mulheres colocam suas vidas nas mãos de homens?
Resposta curta: porque muitas não tem outra opção.
Será assim tão difícil de acreditar nisso? Vejamos os fatos: desde que um ser humano é reconhecido como fêmea, passa por uma série de vivências que nos colocam em uma posição de submissão.
Começa ainda no útero, quando nossos pais sofrem pressão social para fazer enxoval rosa. Depois vêm os brinquedos, também rosa, e em forma de bonecas, apetrechos domésticos, acessórios. Quando nasce uma menina, seu corpo é logo “tomado” pelo sistema patriarcal, para se encaixar em um padrão. Inatingível. Fura-se orelhas, coloca-se tiaras, laços, arcos, cabelos podem ou não crescer, usa-se vestidos, babados, saltinhos, sapatinhos de boneca, cordões, pulseiras.
No brincar, estão as profissões “femininas”: escolinha, enfermagem, artesanato, bonecas, cozinheiras, do lar. Ainda na primeira infância, nos pedem para sentar direito, não pular carniça, não correr, não falar palavrão. Somos sistematicamente empurradas para esse universo dito “feminino”.
Quando chegamos na adolescência e precisamos começar a pensar no futuro, ao decidir por uma carreiras precisamos contemplar o fato da discriminação sexual. O processo é doloroso.
Nos ensinam que devemos esconder nosso ciclo menstrual, eliminar certos pelos, que devemos ser femininas, saltos, saias, maquiagem, bolsas enormes para carregar um mundo de acessórios dos quais os homens, aparentemente, não precisam. Agora mesmo, da varanda do meu prédio, uma moça passava não só com uma bolsa, mas com duas. Quem duvidaria que na menor estão seus documentos e celular, e na outra um secador de cabelo?
O mercado de trabalho não é tão aberto às mulheres como se pinta na mídia. As profissões ditas femininas pagam pouco. E, estatisticamente, ganhamos menos do que os homens, independentemente do mérito.
Mulheres migrantes também encontram dificuldade ao deixarem seus países de origem; é recorrente somente ser possível conseguir um emprego no novo local com qualificação local. Isso é algo que muitas mulheres não sabem quando mudam de país para acompanhar companheiros que migram por terem encontrado trabalho no exterior. Ficamos com a ilusão de que é só se candidatar a um emprego (ou a cem empregos) que conseguiremos dar seguimento às nossas vidas profissionais. Mas o fato é que torna-se necessário arranjar outra coisa para fazer, pois as poucas vagas existentes já estarão sendo disputadas a ferro e fogo pelas mulheres locais.
Isso acontece por toda parte: homens são preferidos em vagas de emprego em qualquer área que não envolva cuidados. Estes podem não ser motivos declarados, mas homens não precisam de licença maternidade, não amamentam, não menstruam. (Sim: somos excluídas do mercado por menstruar. Menstruar envolve também ter cólicas, dores e desconfortos, e certos empregadores não dão conta disso.) Além do mais, ninguém pergunta aos homens com quem seus filhos vão ficar.
Com todas essas informações em mãos, como acreditar que as mulheres têm tantas escolhas como os homens? Não têm. Muitas vezes nos vemos em situação de vulnerabilidade, sem suporte financeiro, casa, comida ou emprego, tendo que e mal conseguindo sustentar a si mesma e aos filhos. A sociedade patriarcal não quer nem precisa de mulheres independentes. Precisa de incubadoras.
Estimo que um número grande de mulheres adultas no mundo agora mesmo estão dependentes financeiramente de alguém. Muitas delas, pessoas altamente qualificadas e esclarecidas, estão nesse exato momento sem qualquer poder de decisão sobre o seu futuro, a não ser que joguem casamento e vida familiar para o alto e corram atrás de suas carreiras. Mas a sociedade, da mesma forma que condena a mulher que não “trabalha fora”, também condena a que escolhe focar na carreira. Ou seja, que raio de escolha é essa que dizem que temos?
Muitas mulheres qualificadas e aptas dependem financeiramente de seus parceiros porque eles têm oportunidades profissionais a ela vetadas
Como não entender que há mulheres preparadas academicamente que dependem financeiramente de seus parceiros porque ele têm oportunidades profissionais a ela foram vetadas? E olha que isso é um problema de pessoas que pertencem ao que se pode chamar de “elite”. A maioria das mulheres não faz parte de uma elite. A maioria das mulheres vive em condições precárias. Se não está passando necessidade, está sofrendo abuso, ou impedida de trabalhar, ou trabalhando turnos insanos para ganhar um salário miserável. Muitas precisam ter um parceiro para sobreviver.
No sistema patriarcal, pensar ou se ver como mulher é acreditar que temos escolhas. Mas descobrir o que é ser uma mulher é perceber uma dura realidade: a de que não temos escolhas. Entender a nossa falta de opção é entender boa parte do feminismo. As outras partes envolvem empatia, alteridade e a percepção de que somos socializadas para pertencer à uma classe dominada, e portanto sujeitas a todo tipo de violência.
Colocamos as nossas vidas nas mãos de homens porque, muitas vezes, não temos outra opção. Ou não vemos ainda outra opção.
É disso que se trata o feminismo. De entender a natureza da nossa opressão para que possamos buscar saídas e sermos uma classe que possuí tantos direitos quanto a classe dos homens. Eles não nos darão esses direitos. Temos de ser nós a reivindicá-los.
Precisamos de poder. Não poder sobre os homens, mas poder sobre de decisão sobre as nossas próprias vidas. No fim, é isso o que não temos, é isso o que nos é negado desde o nascimento.
Por Andreia Nobre
Imagem destacada: proverbioefrase.com
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