Queen of the South – sobre ser mulher e boss

Bem vindas à Queen of the South, mais nova série presente no catálogo da Netflix. A história é baseada no livro La Reina del Sur, de Arturo Pérez-Reverte e já foi contada como novela no México, em 2011.

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Quando pensamos em um cartel de drogas as lembranças mais comuns — até mesmo pelas referências visuais que temos — são homens liderando os negócios, enquanto mulheres são: “mulas”, prostitutas escravizadas pelo tráfico ou uma sombra atrás dos chefões.

A série Narcos está ai para nos lembrar o papel das mulheres nessa ficção da realidade que é, como bem sabemos, muito machista.

Em Queen of the South, conhecemos a história de Camila Vargas — representada pela atriz Veronica Falcon — que era a mente por trás de um dos maiores cartéis do México. Provavelmente, antes dela tomar as rédias da sua vida, ninguém sabia que o marido a escondia no seu papel de esposa.

[spoiler alert]

Mas como o marido, Epifânio, decidiu que queria se tornar governador e, para a mídia não pega bem misturar política com drogas, Camila aproveitou a brecha para levar seu negócio para os EUA. Dallas, Texas, se tornou o mais novo território de distribuição das drogas.

Na cabeça de Epifânio — ex-traficante e quase governador — é inimaginável um mundo onde a sua mulher cuide sozinha de um cartel de drogas sem depender dele para nada. O certo seria ela abrir mão do seu negócio para ficar ao lado dele na política.

Ele só esqueceu quem era Camila. Uma mulher que já estava no cartel desde o seu começo, com mais de 20 anos de experiência e com mais coragem do que medo de recuperar tudo que era seu. A personagem tem coração, mas não é ele quem guia sua vida. Os negócios chegam antes na série, deixando pouco espaço para romance.

Com Camila, os anos não foram carinhosos. Ela foi se tornando cada vez mais exigente e desconfiada, não deixando vivo para contar história quem fosse prejudicar seu negócio. É muito boa com relacionamentos, sabendo exatamente o que fazer quando precisa lidar com os machistas que fazem parte do mercado.

Nisso entra Teresa na vida de Camila — maravilhosamente representada por Alice Braga. Teresa tem uma personalidade muito sensitiva, entendendo tudo de números e negociação. Sabe muito bem como funciona o dia a dia de um cartel, pois vendia drogas antes de ser namorada de um dos “gerentes do tráfico” de Epifânio.

Acho bem sensacional a forma como foram representadas essas duas mulheres tão diferentes. O estereótipo da mulher de negócios que precisa se masculinizar para ter espaço não funciona em Queen of the South.

Uma mulher pode ser dura, exigente, forte e não precisa deixar de ser quem é para isso.

Uma mulher pode ser dura, exigente, forte e não precisa deixar de ser quem é para isso. Se ela for mais feminina, isso não a torna menos capaz. É muito mais uma questão de personalidade do que de capacidade.

Porém, por mais incrível que não pareça, o maior rival de Camila é o próprio marido. Ele prefere destruir tudo que foi construído pelo cartel, do que deixá-lo para sua esposa comandar.

Epifânio quer uma esposa. Alguém ao seu lado — ou melhor, atrás dele — para exibir uma imagem de homem sério, de família, importante para sua personalidade política. O que Camila deseja não interessa, afinal ela “abandonou” ele e a filha para cuidar dos negócios.

Ponto bem interessante de se analisar, já que nesse caso a mulher decide seguir seu sonho profissional e abrir mão de ficar perto da família. Algo que, inclusive, Camila argumenta com a filha: “Se o seu pai tivesse nos deixado para trabalhar tudo estaria bem. Porque eu não posso ser esposa, mãe e uma mulher de negócios?”

No Brasil, 5% dos cargos de lideranças são ocupados por mulheres.

No Brasil, 5% dos cargos de lideranças são ocupados por mulheres. Não sei exatamente quais são as desculpas que o mercado cria para não permitir que mulheres tanto ou mais qualificadas que seus superiores possam ser CEOs, mas pelo seriado fica evidente o poder que uma mulher tem nos negócios.
Quando não tentam te boicotar a cada passo.

O que também tem uma relação muito próxima com a realidade, onde por ser mulher tu precisa se dedicar muito mais para lutar por uma oportunidade.

Dentro do cartel é muito interessante observar o caminho que Teresa vai traçando. Desde o começo da série ela ouve sua eu do futuro, uma Teresa bem vestida, que já possui todas as marcas de suas escolhas. Essa Teresa do futuro nos revela lentamente o que a personagem vai se tornar, mas a que preço nós vamos descobrindo aos poucos. Seu cérebro vai chamando mais atenção que a sua beleza, até mesmo porque sua chefe é uma mulher que manda vagabundo sentar quando não a respeitam.

Enquanto não está em posição de poder, acaba precisando de ajuda para se defender dessas situações. Mas não é nada que aprender a usar melhor uma arma e responder a altura, sem medo da morte — já que a vida é a única coisa que ainda lhe resta — não possa resolver.

Se a mulher não fosse boa para cargos de liderança, com certeza ela não daria conta de um cartel

Se uma mulher não fosse boa para cargos de liderança, com certeza ela não daria conta de um cartel de drogas, onde é testada a todo momento. Camila também é mãe, mulher, amiga — bem de vez em quando, mas é — e isso não diminui nem um pouco a sua eficiência.

Muito pelo contrário, a permite ser uma líder que percebe todos os lados das situações. O que é a melhor receita quando se quer tomar boas decisões.

Camila foi perfeita em tudo? Não.
Sempre ouviu a voz da razão? Não.
Foi uma pessoa, que comete erros e acertos? Com certeza.

É difícil saber que lado a história vai tomar. Não vou entrar em detalhes de roteiro e produção, pois ela tem seus bons momentos. Bem como uma novela mexicana mais elaborada, abre espaço para muita interpretação, mas não entrega profundidade.

Porém, considero uma boa recomendação quando se quer ver uma mulher foda, dona de um negócio perigoso e violento, colocando muito marmanjo no seu lugar.

Que é abaixo dela.

Por Gabriela Teló, originalmente publicado no medium da autora; versão minimamente editada reproduzida aqui com sua autorização. 

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