De onde vocês tiram coragem?
De onde vocês tiram coragem?
Em meia hora de internet hoje, eu devo ter encontrado três ou quatro posts falando sobre a resposta ao texto da Ruth Manus que seria mais uma viagem sobre gente com muito dinheiro e privilégio na mão pra gastar. Todos os posts defendiam que mesmo quem não nasceu em berço de ouro pode pedir demissão para encontrar a felicidade, e que esse movimento – como quase todos os caminhos para o sucesso – depende menos de conforto do que de coragem.
Não realmente discordo isso, e essa é uma pergunta séria. De onde vem a coragem?
Ontem à noite, escrevi e apaguei umas três vezes um post onde eu contava estar me sentindo um restolho da seleção natural, mais desequipada do que a média para a vida. Quase tudo hoje me assusta muito: trabalhar, andar na rua, começar a dirigir, resolver burocracia, organizar o meu tempo, planejar os próximos meses. O estado das minhas relações. O estado dos meus nervos.
Às vezes sinto como se o mundo fosse me atropelar a qualquer momento e nem isso seria suficiente para me fazer reagir a ele, tal é o pavor que eu tenho de existir. Como é possível que eu não consiga ser corajosa se isso é tão importante pra viver? (Me dando um pouco mais de crédito: quantas vezes eu preciso ser patética até ser corajosa?).
Eu serei a última pessoa que vocês verão no Facebook pedindo atenção e solidariedade com pessoas ansiosas, mas de vez em quando, eu queria viver menos dentro do Poema em Linha Reta do Fernando Pessoa. Queria ter mais certeza de que a coragem só é necessária porque estamos todos em pânico. Se esse também é o seu caso, saiba que eu estou.
E que estou dizendo isso me sentindo mais corajosa.
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Tenho visto por aqui pessoas impressionadas com o fato de que a porra toda aconteceu e “ninguém fez nem faz nada” (será?). Tem até quem ironize e cobre satisfações de quem não foi para a rua, não peitou polícia, não está se posicionando abertamente contra o golpe na internet, no trabalho, no almoço de família.
Confesso a vocês que o que me impressiona mesmo é que haja gente mobilizada. Acho que desde o início do ano, eu não consegui esboçar nada além de frustração e apatia.
Tenho vivido um dia de cada vez porque já me sobrecarreguei demais pensando no amanhã. Sobrou pouco pra sentir por ele. “Ih, pode ser que a minha carga de trabalho fique oficialmente desumana – se eu achar emprego”. “Puxa vida, pode ser que eu me aposente depois de morta”. “Hm, pode ser que eu dê um pio ‘fora do compasso’ no Facebook e seja escrachada por gente que se diz minha amiga, se diz ‘do meu lado'”.
Vejo as pessoas consumidas de ódio por toda parte e não entendo nem de onde ele está saindo – porque não entendo como alguém pode sentir qualquer tipo de paixão por qualquer coisa que seja agora. Comecei a suspeitar dos agitadores. Da energia dos ativistas. Da convicção paranoica dos fascistas. Da tranquilidade alienada do meio de campo. Comecei a me isolar de todos e não entender por quê.
Me preocupo com o fato de que justo hoje, quando poderemos nos posicionar cada vez menos politicamente, isso sequer me interesse muito. Antes, quando eu não via a dimensão da nossa crise afetiva, eu me empenhava em falar, em dialogar. Hoje não tenho mais tempo pra isso. Preciso levantar da cama, ganhar algum dinheiro, conseguir pensar em construir algumas coisas. Preciso mudar o meu mundo primeiro.
E enquanto eu (sobre)vivo, descubro que sigo errada de qualquer forma. Estou errada quando me posiciono. Quando deixo de me posicionar. Quando me posiciono neste momento e não no próximo. Quando falo nesses termos e não naqueles. Estou errada para o lado de lá e para o lado de cá – e desisti solenemente da necessidade de estar certa.
Isso vem me custando conexão com os outros. Não só com conhecidos, mas com referências, com ideais, com mundos possíveis. Me sinto presa num limbo que só me reitera o quanto pode demorar até que a coletividade seja suficiente para mudar alguma coisa. Até que possamos organizar minimamente o que sentimos para ter vontade E potência. Para ter prioridades. Para fazer sentido.
Por Stefanie Cirne
Imagem destacada – O Mágico de Oz
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