Ser forte o tempo todo, uma hora cansa.
Eu, mulher, livre, feminista, independente, bem sucedida profissionalmente, empoderada, inteligente, amada, admirada, tentei suicídio.
Não faz sentido. Nem a tentativa, nem eu ter sobrevivido.
Vamos ao início: Sou uma pessoa extremamente sensível, sinto com os outros, sinto pelos outros, sinto por mim, sinto por quem nem conheço. Mas o tempo todo eu evito sentir,
Fui diagnosticada com depressão há alguns meses, na hora pensei: Como? Por quê? Da onde? Algo estava errado. Demorei a admitir para mim mesma. Li todo o material que encontrei pela frente, tive medo, me desesperei e escondi de todos o que eu estava passando.
Sempre fui vista como alguém forte, inatingível, protetora, corajosa, que podia enfrentar qualquer coisa.
Vesti minha máscara social e decidi viver normalmente. Chegou o momento de aceitar que eram necessários medicamentos. Foi difícil assimilar que a dose da medicação só aumentava ao invés de diminuir.
Minha vida seguia, compromissos, pessoas, afazeres, trabalho, tudo. Tudo em um ritmo que eu não conseguia mais acompanhar. Nada tinha graça, as pessoas me irritavam, eu só queria ficar sozinha. Chorava sem motivo aparente, mas não me sentia deprimida, nem triste, nem nada. Na verdade eu não sentia. Eu estava impossibilitada de sentir.
Eu só buscava disfarçar de todas as formas o que eu tinha. Eu não queria que as pessoas que eu amo sofressem, eu não queria envolver ninguém com os meus problemas.
Tudo o que eu queria era esconder. Por medo, por vergonha, pelo estigma social, pelos julgamentos: “Como tu, mulher, livre, feminista, independente, bem sucedida profissionalmente, empoderada, inteligente, amada, admirada, com depressão?” Era inadmissível.
Os efeitos físicos da doença são devastadores, eles não são apenas emocionais, eu sentia enjoos diários, me sentia fraca, cansada, perdi 9 kg em um mês, apareciam hematomas sem motivo algum pelo meu corpo, meu cabelo começou a cair, as unhas a quebrarem, sem falar nos efeitos colaterais dos medicamentos.
Eu tive um pico de melhora com a aproximação de uma pessoa pelo qual eu nutria um grande carinho. O sol passou a brilhar e as cores aos poucos foram surgindo, eu voltei a sentir. Mas não era a cura.
No entanto, um dia acordei com uma dor emocional insuportável, eu não queria mais sentir o que eu estava sentindo naquele momento, eu não aguentava mais, eu não tinha forças para continuar, eu não queria envolver ninguém, eu queria aquilo cessasse, eu só queria me livrar da dor.
Num ímpeto, levantei da cama, tremendo e chorando, esmaguei todos os comprimidos de paracetamol que encontrei pela casa, eu já havia lido diversos artigos sobre o funcionamento da substância no organismo, bem como o a dose letal e o tempo de ação. Eu sabia como fazer (a maioria das pessoas não sabem, mas doses altas de paracetamol são letais). Eu jamais usaria os antidepressivos ou os ansiolíticos que eu tomava. Eu queria algo que eu sabia que iria funcionar. Eu não queria chamar atenção ou dar trabalho.
Após engolir o último comprimido me senti calma. Tudo estava resolvido. Não havia mais volta. E por saber que não havia volta, tentei diminuir a culpa das pessoas que me amavam esperei algumas horas e “pedi ajuda”. Só me restava aguardar os comprimidos agirem.
De fato fui atendida, fui encaminhada ao hospital de pronto socorro. No entanto, àquela altura eu já sabia que meu organismo já havia absorvido todos aqueles comprimidos, ao todo 38. Passei por procedimentos no hospital e senti um tremendo alivio, quando ouvi do médico: “Não está funcionando”. Apaguei. Quando acordei estava envolta de fios, e tubos. Pude ver minha família e meus amigos sofrendo por eu estar ali. Não sofrendo somente por mim, mas sentindo raiva de mim, como se eu fosse a “culpada” de causar esse sofrimento a eles.
Naquele momento ninguém perguntou o que eu sentia, o que eu precisava. Eu só queria um abraço, um colo, que alguém me ouvisse ao invés de me julgar.
Minha ficha caiu e eu percebi que teria que lidar com as consequências daquele ato, eu não havia pensado nisso antes, porque sequer cogitei que fosse falhar. Não tinha como falhar. Eu planejei meticulosamente, calculei as gramas para o meu peso, esperei horas para pedir “auxílio”. E foi como se eu não tivesse ingerido nada. Não tive sequela alguma e em poucos dias não havia nenhum resquício da substância em minha corrente sanguínea.
Fiquei hospitalizada alguns dias, e durante estes dias esqueci da minha dor e me preocupei com a dor que eu havia causado às pessoas. Eu não queria isso, eu tinha que me desculpar por algo que eu não me arrependia. Eu tinha que explicar o que havia acontecido para pessoas que estavam me odiando naquele momento. Me vi mais sozinha ainda. Eu só queria retomar minha rotina e minha vida ou tentar dar fim nela novamente.
Os dias seguintes foram melhores, me senti amparada, porém a dor que eu sentia ainda existia. E à essa altura havia aumentado pelo sofrimento que causei às pessoas que amava. A medicação aumentou, as sessões de terapia eram quase diárias, eu perdi minha independência, minha liberdade e não conseguia dar conta da minha profissão.
Meus amigos se afastaram, eu me afastei do mundo, minha sócia encerrou a sociedade, meu namorado terminou comigo e precisei devolver o ponto onde funcionava a minha empresa em poucas semanas. Tudo isso aconteceu em pouco mais de um mês após eu ter saído do hospital. E todos deixaram claro que o motivo de suas decisões, era a depressão.
Lidar com a depressão, com a ansiedade, com a família e amigos querendo ajudar, com o trabalho, e com todas essas adversidades foi complicado, ainda é complicado.
Eu era a pessoa que todos chamavam quando precisavam de ajuda, era eu quem dava conselhos, quem resolvia os problemas, quem tinha as soluções. Era eu que segurava a barra e que secava as lágrimas de quem precisava. Como eu, que sempre fui tão forte que passei por diversas situações de abuso sexual, de relacionamentos abusivos, violência doméstica e havia sobrevivido a tudo isso, havia sido derrubada pela depressão no auge da minhas conquistas?
Não me arrependendo da minha “tentativa de suicido”, para mim não foi uma tentativa. Na verdade até hoje eu não encontrei uma explicação lógica para eu ter sobrevivido.
Sigo aqui. Viva. Um dia de cada vez. Tento retomar minha rotina, meus afazeres, tento voltar a ser eu mesma. Fui “abandonada” pelas coisas que me mantinham viva, mas ainda estou aqui. Eu tenho a oportunidade de ter uma rede de apoio, de contar com excelentes profissionais da área da saúde e ter acesso aos melhores medicamentos.
Mas foi preciso aprender que depressão é uma doença grave, que embora seja invisível ao mundo, pode levar ao óbito. O suicida não quer chamar atenção, ele só quer fazer a dor cessar.
Nesse momento meu único objetivo de vida é voltar a ser a mulher que eu amava e admirava.
Por que essa narrativa? Porque ninguém imaginava o que eu estava/estou passando, ninguém imaginava que isso pudesse acontecer comigo, todos foram pegos de surpresa quando souberam. Eu mesma fui surpreendida. Gostaria que soubessem que a depressão pode atingir a todos, a nós e quem amamos. Desenvolver depressão não depende do ambiente que estamos. Minha vida era perfeita. Portanto, nos atentemos ao próximo, porque empatia salva vidas.
Ser forte o tempo todo, cansa.
Postagem anônima
(Versão editada em 17/10/2016 a pedido da autora)
Imagem: daqui
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