ISO 9001 de ativismo
Já que tiramos esta semana para bancar a enfant terrible, aproveito para registrar que uma hora dessas, a desconstrução vai ser tão perfeita, tão eficiente, tão obediente ao ISO 9001 do ativismo que vamos todos acabar destruídos.
Este é um jargão de bolso de quem vive altas confusões no saite Feices: “tá faltando desconstrução”, “vocês já tentaram se desconstruir?”, “temos que estar abertos à desconstrução”. Na grande maioria das tretas, o pessoal precisa mesmo pensar duas vezes. Precisa refletir sobre as próprias convicções e não ter medo de abrir a cabeça.
Mas quando já se conhece a desconstrução há algum tempo – por tempo suficiente para demandá-la dos outros, por exemplo -, uma mágica acontece. No calor de algumas discussões, muito discretamente, ela se transforma em um recurso totalitário e não dá a menor bandeira disso. É quando o teu argumento de ativista não convence outro ativista do mesmo filão. É quando a cartada identitária, essencialista não comove alguém da mesma identidade que tu. Ou – pior – é quando quem resiste é o opressor cuzão mesmo, o privilegiado, e surpreendentemente, ele parece ter como embasar essa resistência.
Algo está errado nessas horas. A tua verdade desconstruída encontrou um muro que a desafia, no qual ela não reverbera, mas ~precisa~ reverberar. Ela é a verdade, afinal, tu soube disso quando a processou. As pessoas se tornam melhores quando conhecem a verdade. E um mundo melhor depende de pessoas melhores.
A solução passa a ser, então, abrir um buraco nesse muro. E a melhor broca para isso é negar que haja qualquer consistência ali. O paredão pensa ser sólido porque ele não sabe – como tu sabe – que ele é frágil. Que há falhas nele que ele não está enxergando, e precisa da tua lente para enxergar. Que enquanto ele não enxerga essas falhas, ele não é apenas um muro – ele é um obstáculo. Um entrave, um problema, algo a ser transposto e derrubado. Derrubado não: desconstruído.
A real é que de vez em quando, a “desconstrução” que se busca é, lá no fundo, um desmonte no mau sentido. É a certeza de que existe essa verdade superior que todos podem (devem!) acessar se despindo desta camada aqui, abrindo mão daquela visão ali, lendo mais esse textinho aqui. É uma vontade de ser a pessoa que zerou o jogo e agora pode apontar aos colegas como eles fazem para passar de fase. É, enfim, a tranquilidade de estar finalmente aberto e decomposto – e de, por isso mesmo, não ser mais como aquelas pessoas refratárias, ensimesmadas, que só admitem pensar de um jeito e não têm muito a acrescentar aos outros.
Seria mais simples se o mundo fosse menos estranho e os muros, às vezes, não fossem uma saída. E se a vontade de desconstruir não fosse, às vezes, uma forma mais nobre de aniquilar.
Por Stefanie Cirne
Imagem destacada: daqui
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