Distúrbio alimentar cada vez mais normalizado
É incrível como incentivos a práticas que fomentam distúrbios alimentares estão ficando cada vez mais explícitas e normalizadas. Eu lembro quando encontrar blogs de autoras anônimas e falas desse tipo nas redes sociais era bem mais difícil. Agora qualquer “grupo de lacração” no Facebook, ou mesmo em postagens nos perfis de várias pessoas, tem gente falando — sem o menor problema — coisas do tipo:
- Para emagrecer é só ficar uns dois dias sem comer só chupando gelo e Halls
- Estou colocando como imagem de fundo do celular a foto da famosa X, muito magra, pra me servir de inspiração porque estou me odiando, assim a vejo sempre e desisto de comer
- Preciso emagrecer 7kg até o ano novo pra ir pra praia. Tomar remédio X funciona mesmo?
Consigo ver principalmente duas coisas acontecendo: uma galera que nunca teve problema com comida e corpo sendo conivente de maneira muito irresponsável com esse discurso, adorando falar que come fast-food todo dia e não engorda, e postando selfie no padrão pra ser bajulada. Outra é todo mundo que tá desgraçado se abraçando e se apoiando em seus respectivos distúrbios pra se afundar junto, e para este grupo postagens assim servem como compartilhamento de vivências — coisas do tipo: “Fiquei ontem e hoje sem comer nada, desmaiei no meio da aula. Mas já tô emagrecendo, perdi X Kg! Obrigada meninas pela ajuda, sem vocês eu não conseguiria ❤”
Exercício físico é castigo e comida é inimiga. Declarações como “dispensei tal programa com amigos pra passar horas na academia” ou “não como por prazer” viram exemplos de superação, determinação e foco, como se fosse impossível conciliar prazer e saúde.
As pessoas se culpam porque motivos como depressão, ansiedade, tempo, dinheiro as impedem de irem em busca de uma vida mais saudável, com tempo e responsabilidade. Nessa época do ano, principalmente, começam a se desesperar procurando receitas milagrosas para arrancar a barriga fora, para poder ter um “corpo de praia” e agradar principalmente homens e parentes que — percebam — nunca se preocuparam com nenhuma de suas outras conquistas…
Costumo falar muito pouco sobre isso publicamente, com meus amigos e minha família, até porque quando vejo estou eu mesma entrando nessa pira errada de novo. Lembro muito bem como todo mundo aplaudia quando eu aparecia cada vez mais magra, ainda que para isso eu estivesse enfiando o dedo na goela e deixando de comer por dias. Mas agora que estou fazendo mil coisas mais interessantes com a minha vida, o comentário que mais ouço é sobre como eu era mais bonita quando era mais magra. Como eu era mais bonita e interessante antes de engordar. Isso eu ouvi durante a vida toda.
E sei que não é com pouca gente que acontece isso.
A gente prefere desconversar, nem responder, brincar, fingir que não tá nem aí. Mas quando deita a cabeça no travesseiro o sentimento não é nenhuma brincadeira. Meses sem ver pessoas, e a pergunta principal é “você tá emagrecendo? Tá fazendo alguma dieta?” Sendo que quando a resposta é “não”, a gente para de considerar todos os motivos sérios que nos impedem, e começamos a nos sentir horríveis, indesejáveis, inúteis, desinteressantes, incompetentes.
Infelizmente (ou felizmente, pra alguns) não vim aqui trazer nenhuma crítica social foda ou resposta de superação para toda essa merda. Até porque eu nunca tive e ainda não tenho. Apenas quero aproveitar o espaço desta aclamada rede social, uma das maiores responsáveis por espetacularizar e naturalizar toda essa barbárie que acaba com a gente cada dia um pouco mais, para falar o quanto isso é terrível e perigoso.
A galera tá morrendo, ficando doente de corpo e de cabeça, enquanto tem gente mais preocupada em analisar o corpo da celebridade que “tá com tudo no lugar” ou que “tava gorda igual uma porca recebendo o prêmio” (o prêmio fica em segundo plano, obviamente).
Não está fácil e nunca foi, e a energia que a gente gasta pra tentar se manter viva, se não tivesse tudo isso rolando desde que a gente nasce, com certeza poderia ser melhor utilizada na priorização da nossa saúde mental e física, sem toda essa violência simbólica. Mas não — para a sociedade, é a gente que é “relaxada” e “sem determinação”. Parece que o que realmente importa na vida de uma mulher é mesmo priorizar a magreza e auto-mutilação.
Por Hannah Beatriz
Imagem destacada: daqui
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