O que produz a “Escola de Princesas”?

Quando apareceram as “Escolas de Princesas” houve muitas reações. Claro, elas expõem, em meio a tantas mudanças nos papeis sociais, a persistência de um projeto para um grupo de mulheres, o de ser valorizadas na bolsa de valores dos casamentos.

Para esse grupo, de mulheres brancas e bem posicionadas, a educação que repõe os padrões de gênero se confunde com uma domesticação adequada. Vejam que não se trata de domesticidade, pois esta implica alguma contenção a esse espaço e envolvimento com as tarefas do cotidiano doméstico. O ponto, no caso desse grupo de mulheres, é saber apresentar-se socialmente como virtuosa de modo que reverta em capital social também para os futuros maridos: saber “receber”, saber “relacionar-se”, portar-se como bela e valorosa.

É bom lembrar que esse padrão, que nada tem a ver com a vivência da maioria das mulheres, se estabelece como referência para avaliar a “falta” que haveria na educação, na aparência, no tom de voz, na capacidade de “agradar” e ser “atraente” das demais. Funciona como controle sobre as mulheres mas também como distinção de classe.

Na minha infância no interior de São Paulo, em São José do Rio Preto, havia escolas de boas-maneiras. Ao menos uma das minhas amigas foi matriculada nela, provavelmente pela ansiedade social que havia para produzir filhas adequadas aos padrões. Conversando, agora, com uma criança de 5 anos, da mesma cidade, fiquei pasma com uma novidade na reposição desses padrões. Ela me contou da festa de aniversário de uma amiga que completava 7 anos. A festa foi em um salão de beleza, salão de verdade, para embelezar mulheres adultas. As meninas – claro que eram todas meninas – podiam arrumar o cabelo, ter as unhas “feitas”, ser maquiadas. Esse era o mote da festa. Daí perguntei: e em algum momento vocês brincaram? Ela respondeu que sim, que depois de arrumadas brincaram um pouco em um espaço que havia no salão. Eu quis saber do que brincaram e a resposta foi muito reveladora. Brincaram de casamento.

Quando lidamos com questões tão urgentes quanto a violência contra as mulheres e a redução de recursos necessários para que existam equipamentos públicos que são essenciais para a dignidade e a igualdade, um caso como esse parece menor. E é, se pensado pontualmente. Mas a produção cotidiana das princesas mostra que muito persiste enquanto tanto mudou.

E não são, como mencionei, práticas restritas, nos seus efeitos, a um grupo de mulheres. Desdobram-se como referência para julgar outras mulheres, constituem padrões de beleza nocivos (que alimentam o enorme mercado dos cosméticos) e expectativas quanto ao que significaria ser reconhecida.

Esses padrões estão em disputa, e muitos dos conflitos e reações ao feminismo têm a ver com isso. Sigamos porque há mesmo muito ainda por fazer…

Por Flávia Birolli
Imagem destacada: Revista Glamour (!)

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