As mulheres de Vikings

Eu estava lutando um pouco com a ideia de escrever sobre Vikings. Afinal, o seriado gira em torno dos homens da família de Ragnar Lothbrok. Mas aí aconteceram algumas reviravoltas na segunda parte da quarta temporada que praticamente me forçaram a vir até aqui. Não tinha como deixar passar tamanha maravilhosidade.

Aliás, acho importante dizer que a personagem Lagertha sempre foi um sucesso. Ela nunca quis ser recatada e do lar, mesmo sendo bela.

Muito bem, vamos dar uma recapitulada nos acontecimentos.

Desde que o marido começou a querer viajar para além do que hoje seria a Dinamarca ou a Suécia (há dúvidas sobre onde eles realmente estavam), ela afirmava que iria junto para lutar lado a lado contra possíveis inimigos. Mesmo temendo no início pela segurança da mulher, pois Ragnar não teria como defende-la em meio a uma batalha, logo fica evidente que ela saberia se virar muito bem com seu escudo.

Guerras e mais guerras, novas pessoas cruzando na vida do casal e ele começa a ter um relacionamento com outra mulher: Aslaug.

Quando descobre, Lagertha não fica muito contente, mas já sabia que seu destino não era ser a mãe de todos os filhos de Ragnar. O oráculo de Kattegat lhe revelara que o rei teria muitos filhos, mas que ela só lhe daria um herdeiro. Aslaug se torna a rainha vigente por ter “seduzido” Ragnar e Lagertha, literalmente, pica a mula enfurecida pra outra cidade, mesmo sabendo que ele era o amor de sua vida. No fundo Ragnar também sabia, tanto que ele vai atrás dela, mas ele tinha outras preocupações na cabeça e Aslaug cumpria com seu papel de esposa, na época. Mais tarde os dois acabam tendo uma conversa em tom de despedida em que concordam que o casamento não tinha como base o amor entre eles. Era mais uma questão de interesse mútuo.

Acho muito pertinente refletir sobre como era percebida a religião na época e como ela influenciava a vida das pessoas, conforme a série apresenta. Quando os nórdicos começaram a invadir outros países ficam evidentes as diferenças culturais ocasionadas pelas orientações religiosas. De um lado do oceano ficavam os pagãos – vikings, que tinham vários deuses – e do outro os anglo-saxões – cristãos com um único deus. Sendo assim, no norte ficava a liberdade de se fazer o que bem entendesse, com quem e quando quisesse, sem pressões culturais. Consequentemente, uma mulher ou um homem poderia ter quantos parceiros tivesse interesse, tendo o casamento de uma forma mais fluida.

Do lado anglo-saxão havia a sombra da religião católica podando todas as mulheres. Elas não aprendiam a ler, portanto não estudavam. Podiam pensar em apenas dois homens em toda a vida: o marido e cristo — o que já exclui a ideia de liberdade sexual. A série produzida pelo canal History conta a história desse povo que começou a estremecer o mundo com suas invasões em 800 d.c. Agora faz as contas de há quanto tempo essa opressão católica limita as mulheres.

Lagertha fazendo uma oferenda aos deuses em função da Grande Guerra

Lagertha fazendo uma oferenda aos deuses em função da Grande Guerra

Muito tempo se passa, Lagertha já tinha se casado, matado o próprio marido — que era um idiota que batia nela — cortando-lhe o pênis fora. Por sinal, esta foi uma bela cena. E a personagem continua seu caminho decidida a ser rainha e a ter seu espaço reconquistado. Descobre-se, então, que mesmo mantendo as aparências, provavelmente pelo bem do relacionamento entre seu filho Bjorn e os filhos de Aslaug, Lagertha guardava um enorme rancor da rainha feiticeira (ela era meio vidente). Então, com quase todos os homens da família viajando, Lagertha com seu exército de mulheres bem treinadas, resolve recuperar o território que já havia sido seu: o porto de Kattegat. Sim, ela prioriza a força feminina. Essa é outra bela cena. Quando dois reis querem disputar um território ou uma mulher eles fazem o que? Entram em guerra, matam milhares de pessoas, praticamente destruindo o povo que deveriam defender.

E quando duas mulheres querem o mesmo o que elas fazem? Conversam em praça pública.

Achei de uma maturidade emocional e de um conhecimento do inimigo exemplar. Aslaug nunca iria tentar lutar contra Lagertha, pois ela não tinha aptidões bélicas. Portanto, ela decide abrir mão de seu posto para sair viva daquela situação.

Lados invertidos, Lagertha, já como atual rainha, não consegue esquecer da raiva que guardou todos esses anos e mata Aslaug com uma linda flecha no coração. Simples e eficaz. Ninguém disse que mulheres não matavam. Como rainha, Lagertha é uma governante muito focada. Percebe o crescimento de Kattegat como um dos portos mais importantes de acesso ao norte. Decide, então, aumentar as barreiras de defesa da cidade, ajudando a construí-las com as próprias mãos. Sem um Ragnar para chamar de seu, ela já andava tendo um relacionamento com uma de suas escudeiras. Mas, como estamos do lado fluido do oceano, nada impediu que esta tivesse uma rapidinha com o filho da rainha, Bjorn. Importante lembrar: ele era casado e pai. O foco aqui não era trocar de esposa — tanto que ambas se conhecem, lutam juntas — mas aproveitar a beleza de ser um(a) viking e poder escolher com quem compartilhar a sua cama. Ou a parede. Qualquer lugar é lugar para o povo nórdico.

Lagertha sabia muito bem por onde sua parceira andava, afinal ela era rainha. Não podemos dizer que ficou feliz com a novidade, mas não esboçou nada além de um “espero que tenha sido bom pra você.”

Ainda finalizando suas reformas na defesa da cidade, um inimigo se aproxima para estudar potenciais formas de quebrar as barreiras. Ele consegue entrar na cidade, mas não esperava que a rainha também soubesse com o que estava lidando ao governar. O resultado: Lagertha é realmente uma viking. A cena de tortura do invasor para descobrir quem o havia financiado é bem interessante, pois ele é, literalmente, assado no rolete.

Pode ter parecido estranho pra ti uma mulher ser a torturadora, mas no passado as divisões de trabalho por sexo não eram tão limitadoras. No livro O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, ela se volta a história para mostrar que houve um tempo em que homens e mulheres tinham papéis sociais muito próximos:

“Segundo as narrativas de Heródoto, as descrições relativas às amazonas do Daomé e muitos outros testemunhos antigos e modernos, aconteceu de as mulheres tomarem parte em guerras e vinditas sangrentas. Mostravam nessas ocasiões a mesma coragem e a mesma crueldade que os homens. Citam-se algumas que mordiam ferozmente o fígado de seus inimigos.”

Já sabemos que a morte da personagem está escrita, como bem disse o vidente dos nórdicos. Pela mão de um dos filhos de Ragnar virá a vingança pela morte de Aslaug. Só espero que não seja logo e que seja rápido.

Por Gabriela Teló, originalmente publicado no medium da autora e reproduzido aqui com sua autorização. 

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