A esposa por trás do gênio

Eu estava no aeroporto procurando um livro quando me deparei com a história de Mileva Marić. Eu jamais havia ouvido falar dela, e tampouco sabia que ela tinha sido a primeira esposa de Albert Einstein.

Folheei o livro e inspirei profundamente para sentir o inconfundível cheiro de verdade que só os bons livros oferecem. Li a orelha e descobri que a autora havia estudado em Boston, em duas universidades que tantas vezes pisei. Por ser a história de uma mulher, escrita por outra mulher, achei que devia respeito ao feminismo e àquela cidade que um dia chamei de casa. Sem pestanejar, comprei.

O avião ainda se preparava para levantar voo eu já tinha lido um terço da história. Passei a viagem imersa, lendo desavergonhadamente, às goladas. Nem me importei com o que as pessoas podiam pensar da minha falta de compostura ao sorrir, ao acenar que não com a cabeça, ao franzir o cenho e ao não conter as minhas lágrimas tímidas e teimosas, que insistiam em cair pela lateral do meu olho esquerdo.

Li e chorei, li e me revoltei, li e me identifiquei. Enxerguei naquela mulher, manca e genial, um tanto de mim. Um tanto das minhas amigas. Um tanto de mulheres incríveis que me cercam, que me inspiram, que real ou virtualmente fazem parte da minha vida.

Ao ler sobre Mileva, li sobre o Einstein que ninguém conhece. O Einstein egoísta, machista, mandão e cruel que o mundo não viu, e que a história, convenientemente, fez questão de esconder. A história de Mileva aconteceu no início do século XX e poderia ser uma história isolada. Ultrapassada. Mas não é.

A história de Mileva me fez lembrar de quando eu ainda morava em Boston e conheci uma mulher cujo marido estudava no MIT. Ela, até então muito dinâmica em seu país de origem, se viu confinada num apartamento, sem amigos e sem perspectivas profissionais. Sozinha, no meio do inverno, ela criou um blog incrível chamado “The wife behind the genius“, que numa tradução livre seria algo como “a esposa por trás do gênio”.

Nesse blog ela compartilhava as dificuldades e aventuras de ser casada com um gênio. Ao ler seus textos, decidi convidá-la para um café. Lá pelas tantas, falei o que estava preso na minha garganta desde a primeira frase que li dela: “olha, ele pode até ser um gênio, mas você também é. Seu blog é incrível!” Ela me olhou com ternura e disse algo que me marcou profundamente: “talvez não haja espaço para dois gênios num casamento”, e sorriu se despedindo.

A história de Mileva é exatamente igual à história dessa minha amiga. Foi ela, Mileva, quem primeiro concebeu a teoria da relatividade. Foi ela, Mileva, quem contribuiu significativamente para os estudos de Einstein. E foi ele, no alto do seu privilégio de macho e de seu ego frágil, que retirou o nome dela de todos os artigos. De todos os estudos. Foi ele quem apagou o nome de Mileva da história.

Embora a gente acredite que homens cultos e educados estejam menos vulneráveis ao machismo, a verdade é que eles estão tão – ou até mais – suscetíveis a condutas egoístas do que qualquer outro homem. O machismo não escolhe classe social, ideologia política, religiosa, tom de pele ou nível educacional. O machismo chega, se instala e destrói tudo ao redor.

Mileva foi injustiçada pela história, mas felizmente eu tive a oportunidade de saber a verdade sobre ela. Assim como ontem eu tive a oportunidade de saber sobre quem verdadeiramente é José Mayer.

Que essas histórias, distantes no tempo mas tão próximas na essência, possam vir à tona. Que outras Milevas e outras Su Tonani possam emergir e nos recontar quem efetivamente é genial e quem, efetivamente, não é. Sigamos!

Por Carol Campos
Imagem destacada: Wikipedia

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