Nossas avós, mães e os casamentos hoje

Há tempos comecei a escrever histórias de mulheres de uma ou duas gerações antes da minha, nascidas de 1920 a 1960, com intuito de entender as suas vidas. Tem a mãe de uma amiga, filha de imigrantes alemães, que foi vendida aos oito anos, tem as minhas avós, que viveram na mesma época, porém tiveram vidas completamente diferentes, e tem algumas outras. O ponto de intersecção de todas as histórias, o que mais me intrigou, é o matrimônio. Por que todas essas mulheres queriam tanto casar, amar alguém e ter uma família se a realidade parecia ser tão dura pra elas?

Ainda hoje existe uma super expectativa acerca de um enlace, de uma grande história de amor. Por que pouco se fala do impacto real que um casamento e filhos têm sobre a vida de uma mulher?

No senso comum, é o homem que perde a liberdade, que está se enforcando ao casar. No entanto, na prática, desde tempos bem remotos, quem precisa abrir mão de ir e vir é justamente a mulher.

Senso comum: no Google tem.
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Abaixo, plaquinha destinada ao noivo em cerimônias. Fala sério.
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Quem paga para ter isso em sua festa?!
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Bibianas

Um dia desses peguei um ônibus com uma senhora de uma cidade do interior do Paraná. Casualmente temos vários conhecidos em comum. Ela estava separada. Falei que a admirava por isso, pois todos os casamentos que eu conheci das mulheres da idade dela, daquele mesmo grupo de pessoas de classe média média e alta, com terras e sobrenomes conhecidos naquela região, seguiam o mesmo padrão: homens bêbados que viviam na zona e mulheres prendadas neuróticas, criando filhos infelizes.

Mergulhadas no trabalho de casa ou, quando o marido já não tinha neurônios ou saúde mesmo para trabalhar, nos negócios da família, e incapazes de cobrar companheirismo e fidelidade dos maridos, essas criaturas mal amadas se enfiavam em igrejas e cobravam uma retidão moral impossível de seus filhos adolescentes.

São Bibianas, a personagem do clássico O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo.

“No entanto ela sabia que era verdade. Rodrigo dividia suas noites entre a mesa de jogo e a casa da Honorina. Bibiana chegara a ver uma noite a rapariga na última festa do Espírito Santo, toda vestida de vermelho. Era esquisito – refletia Bibiana – mas ela não sentia propriamente ciúmes do marido. Sabia que ele gostava era de mulher, que não se contentava com uma só. O melhor que ela tinha a fazer era fingir que não sabia de nada. Contanto que continuasse a ser o seu marido, tudo estava bem.” (VERÍSSIMO, 1949, vol. 1, p. 247)

A senhora do ônibus concordou comigo. “Entende por que eu fiz um concurso público e fui morar em outro Estado? Pra mim, aquilo não servia”, explicou.

Hoje, a maioria desses homens está morto ou “entrevado” como dizem no interior. As mulheres, agora viúvas, estão melhores. Sem dúvida, como avós, em nada remontam às mães megeras que foram. O resultado dessa relação de gênero, apoiada pela igreja, obviamente teve impactos bem profundos na vida de seus filhos.

Peraí, deixa eu contar as mães de amigas minhas que ainda (sobre)vivem dentro de casamentos assim. E se eu disser que é mais, bem mais, do que a metade? Triste, não? E se eu ousar dizer que isso informa o fato de que algumas amigas minhas acham isso normal? Mais triste ainda, né, porque – poxa vida – como disse o primeiro ministro gato do Canadá, Justin Trudeau, estamos em 2015. No caso, 2016.

De início eu estranhava o fato de que eu parecia ser a única a pensar diferente, de me incomodar tanto quando percebia que não havia respeito entre as pessoas. Talvez eu deva aqui fazer um parêntesis e reconhecer que meu pai não foi assim com a minha mãe, portanto não me apresentou este modelo como o padrão. A vivência que temos na infância é uma das principais medidas que usamos para moldarmos nossas visões de mundo.

Me irrita essa idolatria cega do casamento, que ainda coloca a aliança como símbolo de sucesso na mão direita de uma mulher, ao passo que representa detenção na mão masculina.

Um casamento tem muitos aspectos bons, mas e dos ruins, por que ninguém fala? Acho muito importante discutirmos abertamente todo o machismo e as injustiças presentes nas relações que observamos desde nossa infância justamente para não mais reproduzi-las. Estou casada há quase doze anos, com altos e baixos e com muita, mas muita conversa. Talvez o casamento seja a relação mais dialógica na vida de uma pessoa. E uma sociedade, precisa ser boa para os dois lados. Se não, não tem razão de existir, porque consome uma parte muito grande da nossa energia.

Noiva em fuga

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Há seis anos, num curso para empreendedores, conheci uma moça com uma história muito interessante. Na época, ela pensava em abrir uma confecção com uma amiga, e deveria ter uns vinte e poucos anos. Não lembro com clareza, mas, durante um trabalho em grupo, sua decepcionante experiência matrimonial veio à tona.

Ela havia se separado há poucos meses. Como parecia muito jovem, perguntamos o que tinha acontecido. Hoje em dia é meio esquisito casar antes dos 30 na ausência de filhos no percurso. Casar e se separar, mais estranho ainda.

Seu casamento durou menos de 3 meses. Ela não suportou, fugiu da sua própria casa e foi morar com o pai, pois ainda estava com medo do ex, que ficou enfurecido com seu sumiço. Esse é o tipo de situação em que, usualmente, bota-se a culpa na noiva maluca. De vez em quando a gente escuta uns casos semelhantes nos salões de beleza, na lavanderia ou na escolinha dos filhos, antes de alguma apresentação.

Por isso que eu nunca esqueci. Ouvir a versão dela, da fugitiva, foi deveras marcante. Ela contou que namorava o cara há algum tempo e depois de fazer uma viagem para estudar fora, ele a pediu em casamento. Radiante, ela organizou uma festa linda e cara e procurou um apartamento para morarem. Tudo correu muito bem até o sim. De lá em diante, o mocinho passou a tratá-la como sua empregada. Queria casa arrumada, café quentinho, roupa passada e só faltava lhe exigir que bordasse suas iniciais nas cuecas e toalhas. Em pleno 2010, o guri saiu da casa da mamãe, com tudo sempre pronto e não aceitou menos excelência nas lidas domésticas e muito menos assumir sua parte no processo. No mínimo, curioso.

Coleciono muitos e muitos casos de amigas que se separam tão logo o filho nasceu ou antes disso. Mas isso é assunto para outros posts.

Por Ana Emília Cardoso
Imagem destacada: FEMMA Registros Fotográficos
Imagens do post enviadas pela autora

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