A quem interessa a proibição do aborto?

Atenção, este texto é uma lupa sobre um assunto revestido de tabus no Brasil. Como não devo nada a ninguém e inclusive já repus minha cota de seres humanos no mundo, compartilho com vocês a minha visão sobre aborto.

Eu sempre fui à favor de aborto. Muito antes de menstruar conheci mães solteiras em número suficiente para entender o que era o aborto masculino. Então, na minha cabeça infantil, aquela ainda repleta de sensos de justiça sem filtros, mais puros e metafísicos, uma mulher, a principal envolvida na vida de uma novo ser humano, poderia e deveria SIM ter um poder de decisão sobre interromper uma gestação indesejada. Porque, sejamos realistas ~eu já tinha sacado isso com uns 10 anos ~ nem todas as gestações são desejadas :/

Cada vez que me pego tentando entender o ponto de vista de quem é contra, e MUITA gente é contra no Brasil, vide o silêncio político à respeito disso, travo em visões religiosas e construções sociais baseadas na maldita ou bendita, sei lá, culpa judaico-cristã. E, nessa seara, não tem muito o que argumentar, porque crença é que nem bunda, cada um tem a sua sua, né?

Mas, consegui, em minhas elocubrações, evoluir em um ponto. Analisando a vida prática da mulher, seja ela atéia, atoa, espírita, evangélica, mãe de santo ou católica fervorosa, vamos lá: é de conhecimento público que criar um filho não é fácil, que bancar uma gravidez sozinha ou mesmo num relacionamento traz implicações físicas, psicológicas, financeiras e profissionais para uma mulher, certo?

De acordo com isso, pergunto: se uma gestação afeta de forma inexorável a vida da mulher por que homens e a sociedade em geral têm um poder imperativo sobre este assunto tão pessoal e intransferível? No afã de responder esta pergunta, esbocei a seguinte lista:

A quem interessa proibir o direito da mulher de interromper uma gestação:

  • colegas homens que disputam as mesmas oportunidades de trabalho que você. A vantagem que eles têm em serem contratados ou promovidos desapareceria ou diminuiria um bocado.
  • a indústria e o comércio precisa de reposição de consumidores. Mães, num primeiro momento e crianças, no momento seguinte, suprem esta lacuna com folga.
  • uma mulher com um filho é uma mulher menos livre, que terá direito a menos escolhas sobre a sua vida, pois terá sempre uma hiper responsabilidade a mais. Viajar pelo mundo? Aceitar um emprego em outro continente? Tornar-se diretora de uma grande empresa, ciente da necessidade de trabalhar infinitas horas por dia? Fazer uma turnê artística ou uma campanha política? É claro que uma mulher pode fazer tudo isso com filhos… se ela tiver algum suporte e costas que suportem uma tonelada de culpa nas costas, pode sim.
  • companheiros e familiares em geral ficam felizes com crianças e aliviados em ver uma mulher no papel fraternal de mãe. Uma mãe é tão mais querida e palatável que um mulher livre e dona do seu nariz, não?
  • instituições como igrejas e governos precisam de pessoas fudidas para fazer filantropia, formar corpo de apoiadores e lhes empoderar. Quem melhor do que uma mãe cheia de filhos neste papel? Conheço muitas mulheres que ao assumirem esse papel involuntário de reprodutora reduziram o seu potencial laboral à trabalhar como doméstica para sustentar os filhos. A vida é difícil, mas ainda bem que tem uma monte de gente boazinha ajudando a pobre mulher nesse processo, né? Se não, imagina que tragédia, ela poderia não ter tido todos esses filhos, ter feito um curso técnico e trabalhar como eletricista, como era seu sonho. Quem sabe ser até tornar-se uma engenheira? Mas, quem tem 4 boquitas pra alimentar, não pode sonhar, não, você não sabia?
  • outro ponto importante: se você é rica, vai abortar sim e não sentir medo nem remorso. Se você é pobre, tudo tudo tudo pode te acontecer. Conheci um médico, certa vez, que fazia abortos. Ele cobrava R$ 3 mil por procedimento e atendia mais de 20 mulheres por dia. Faça seus cálculos, Isso faz quase 10 anos. Tem gente ganhando muito dinheiro com a proibição, não tenha a menor dúvida disso.

Por hora, pensei nestas questões. Me ajuda aí a aumentar?


Texto: Ana Emilia Cardoso

Foto: FEMMA Registros Fotográficos

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