Às vezes (sempre) é insuportável ser mulher no Brasil

Peguei um táxi e a voz feminina do GPS mandou o motorista dobrar à direita. Ele me olha pelo retrovisor e me pergunta:

– Sabe qual o nome dela?

Pensei: “ai… começou”…. não respondi nada e sem que eu respondesse “qual?” ele mesmo continuou:

– É Dilma. Acha que sabe tudo, mas eu dou “uns grito” com ela e ela fica mansinha.

Desço do táxi e vou a um restaurante. Um garçom me diz “Oi guriazinha”. Ele se vira e deixa o cardápio para o homem da mesa do lado e diz “fala doutor!”. [A guriazinha e o doutor têm a mesma idade, porém, só a guriazinha é doutora ali. A guriazinha prefere ser chamada de guriazinha do que de doutora, desde que o doutor seja chamado de gurizinho também… Vejam quantas camadas de opressão em cinco segundos. Ele evoca uma cultura servil e uma postura subalterna para ser referir ao outro homem como “doutor” e se vira para o lado e covardemente se engrandece e repassa a opressão para mim].

O garçom vem fazer o pedido e ignora as três mulheres que estão na mesa. Pega o bloquinho de notas e olha direto para o único homem que está na nossa mesa (que não sabia nem a que veio no mundo, mas tudo bem…).

– E aí chefia, que vamos pedir hoje?

(Nem vou citar a hora de trazer a conta, que precisamos fazer um golpe ninja para que ela chegue em nossas mãos.)

Tudo isso aconteceu em vinte minutos. Se achamos normal que os garçons façam o pedido olhando para o homem, não somos capazes de perceber o machismo nos atos mais sutis.

Isso seria apenas uma crônica pequeno-burguesa se não fosse a base de uma cultura sexista que acaba nos índices mais altos de feminicídio do mundo. Se nós não somos capazes de nos horrorizar com a banalidade do machismo que nos maltrata 15 mulheres por dia, dificilmente conseguiremos entender por que vivemos num mundo tão brutal contra as mulheres.

O garçom que te ignora como “chefia”, mas que te trata bem se você está sozinha dando sopa numa mesa, vive na mesma sociedade do motorista que acha graça dar uns gritos para amansar a Dilma.

“Ah Rosana, não é por mal” – não é por mal, mas causa o mal.

Eu odeio viver num mundo em que eu reparo o machismo a cada minuto nos serviços brasileiros – do busão a fila do pão. E que reparar isso me torna “uma louca”. Afinal, eles estavam sendo tão queridos!

Todos esses fatos tão banais apenas retratam a dificuldade de encarar a mulher como igual. Deste princípio – da anulação do valor da Outra – é que saem todas as demais ofensas, abusos e violência.

Por Rosana Pinheiro-Machado
Imagem destacada: daqui

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