Sobre as Gilmore que existem dentro de nós
Quem é fã de Gilmore Girls recebeu um presente esse fim de semana: a nova temporada de quatro capítulos da série, produzida e disponibilizada na Netflix (Netflix, sua linda!).
Fãs de seriados, filmes, novelas ou quaisquer narrativas audiovisuais sempre se perguntam: O que acontece com as histórias depois que sobem os créditos do final da produção? A Marvel, pensando nisso, há anos incluiu os chamados pós-créditos ao final dos seus filmes, dando indícios das sequências que viriam, ou até mesmo contando sobre a rotina das personagens depois da grande aventura. Este é um ótimo recurso para filmes de ação ou comédia, mas para dramas não, porque o drama gravita sobre a rotina. É por isso que o drama cativa muitas pessoas: pela possibilidade de identificação com a personagem ou situação ali representada. Não é como numa aventura, em que as pessoas fantasiam situações e cenas que provavelmente nunca viveram ou viverão. O drama te pega porque de algum modo aquela cena te pega de jeito, lembrando de algo que muitas vezes estava guardado no fundo da gaveta esquecida das memórias que preferimos esquecer.
Voltando para as garotas Gilmore, das quais sou fã. Sou fã de todas. E quando digo de todas, falo desde a Lorelai I (mãe do Richard), passando pelas Lorelais II e III (essa última também conhecida como Rory), e até mesmo a Emily Gilmore. Isso mesmo que você leu, eu gosto da Emily Gilmore.
Confesso que não foi amor à primeira vista, nem à sétima temporada. Só que vendo a nova temporada de Gilmore Girls descobri porque ela é tão difícil de lidar: Emily é a parte nossa da qual temos vergonha, ela é a representação da mulher que deixou-se ser guiada por princípios machistas que moldaram tanto a sua personalidade como a própria vida. Emily é parte do que todas um dia fomos, mesmo sem querer, antes de lidarmos com a realidade de que poderíamos ser quem quiséssemos.
É claro que eu não tinha percebido isso antes de ver essa temporada. Até a sétima temporada Emily representava, para mim, aquele parente irritante do qual não conseguimos nos livrar por questões que estão além da nossa capacidade. Porém, nessa nova temporada, quando Emily teve que viver sem o Richard de fato (e não como aquela separação fajuta que eles tiveram na 5º temporada) é que foi possível ver a transformação por que ela passou. Da superficial Emily, vemos ao longo dos 4 episódios, surge uma Emily nova. Quase que como uma fênix nascendo das cinzas. E não! Ela não se torna uma Lorelai, mas sim alguém bem melhor do que era antes de ser viúva. Não é um processo fácil nem rápido, porém, é nítido e comovente. Quem já viveu de perto a libertação que é quando uma mulher deixa de viver para o homem, e passa a viver para ela mesma percebe o quanto há de Emily em cada uma de nós, por mais Lorelai que queiramos ser ou parecer.
Sobre os demais acontecimentos, não houve muitas novidades, o que é excelente! Na medida do possível todas as personagens mais importante aparecem, mesmo aquelas interpretadas por atores e atrizes que ficaram muito famosas e têm uma agenda lotada, como a Melissa McCarthy e o Jared Padalecki. Michel continua sendo o mesmo francês mal-humorado de sempre, e Kirk ainda é o cara esquisito que conquista espaço com sua excentricidade. Paris continua sendo Paris, com toda a força que isso significa, e Lane permanece sendo a amiga que todas queríamos ter. (E até que enfim apareceu o pai dela!).
Enfim, não vou descrever os episódios e todas as personagens porque sei que muita gente ainda não viu a nova temporada, e não quero ser a metralhadora (desagradável) de spoilers. Apenas gostaria de deixar aqui a impressão de uma fã de Gilmore Girls sobre essa temporada (e quem sabe, sobre todas).
Acredito que todas temos um pouquinho das garotas Gilmore em nós, seja pelos defeitos ou pelas qualidades. E não há problemas nisso. Pelo contrário, Amy Sherman-Palladino, com sua sensibilidade, conseguiu traduzir, com as personalidades das garotas Gilmore, uma grande parte do universo feminino. E o que não aparece nas garotas Gilmore está nas personagens coadjuvantes, de Sookie até Gypsy (o que é impressionante). A cidade de Stars Hollow é quase que como um catálogo de mulheres de personalidade marcantes, algo raro em produções desse tipo.
Não posso deixar de escrever esse texto sem falar da brilhante construção temporal envolvendo a trama dos quatro episódios com as quatro estações do ano. Foi absolutamente perfeita a ideia de construir a trama entrelaçada com os ciclos da vida, ainda mais com o final da série (sem dar spoilers), que é perfeito!
É lindo ver as coisas seguindo seu curso, como na vida real, onde as tramas são complicadas e nunca estamos completamente satisfeitas com tudo. E se há uma linha central dessa temporada, ao meu ver, ela se chama insatisfação.
É a insatisfação que faz com que todos as garotas Gilmore mudem suas vidas nessa temporada. Desde Emily aprendendo a viver sem Richard, passando por Lorelai com sua procura pela própria essência, até chegar a uma Rory desempregada. Ver a Rory sem emprego apesar de seu currículo brilhante é um conforto para todas que ainda não se encontraram na vida profissional – e não é que eu torça contra ela, mas a realidade é que nem tudo será perfeito quando sairmos da faculdade. E o mundo profissional é muito mais difícil para as mulheres, não importa o quão brilhante você seja… Mesmo as incertezas de Lorelai são reconfortantes, algo que serve para dizer que estar insatisfeita não é incomum, e que dúvidas da vida não acabam quando fazemos 40 anos ou quando somos consideradas adultas.
Enfim, se você não viu a nova temporada de Gilmore Girls, assista, porque está imperdível! E se você não concordar com essa análise, deixe sua opinião nos comentários. Como eu disse no título, essa série mostra as garotas Gilmore que existem dentro da gente, e vai que hoje eu estou mais Lorelai e você acordou meio Emily…
Obs: Eu andaria no Ooober.
Por Renata Floriano
Imagem destacada: divulgação Netflix
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