Guerrilla Girls: a utilidade pública de mostrar as desigualdades

Consciência pela arte. Utilidade pública.

Essas são duas das expressões que funcionam como marcas registradas das Guerrilla Girls, o coletivo de mulheres ativista existente desde 1984 nos Estados Unidos, cujo foco é mostrar – utilizando muito humor e ironia – as desigualdades de gênero, preconceitos étnicos e a corrupção na política, no mundo da arte, no cinema e na cultura pop.

Essas duas frases são vistas nos cartazes das Guerrilla Girls na exposição aberta no MASP, em São Paulo, desde o final de setembro e segue aberta até 14 de fevereiro de 2018. A mostra e as artistas também participam da Bienal de Curitiba na terça-feira 03 de outubro, com o tema “o museu é feminista”.

Em duas paredes do mezanino do museu, as artistas espalharam 116 cartazes com os dados alarmantes que colheram. Dados, por exemplo, como os obtidos no Museum Of Modern Art, em Nova York, em 1984 e 1997. Em 1984, 85% dos artistas expostos no MoMa eram homens brancos e 9% eram mulheres brancas, mas havia um total de 0% de artistas negros, mulheres ou homens. Em 1997, os números eram ainda piores: 95% de artistas homens brancos, 4% de artistas mulheres brancas, 1% de artistas mulheres negras e os mesmos 0% de artistas homens negros. O MoMA foi, inclusive, o “alvo” da primeira intervenção das Guerrilla Girls. Em 1984, uma exposição com 165 artistas incluía apenas 16 mulheres.

O que sustenta o mundo das artes são homens brancos e ricos. Museus retratam uma história de poder e privilégios, e não da arte.

O objetivo das intervenções das artistas é propor uma reflexão do que sustenta o mundo das artes: os homens brancos e ricos, com doações em dinheiro e obras, retratando uma história de poder e privilégios de raça e de classe e não uma história da arte. A exposição no MASP, por exemplo, traz esse cartaz, que é um dos mais famosos das Guerrilla, usado no MoMA em 1984, e questiona se as mulheres devem estar nuas para entrarem nos museus, fazendo uma referência aos quadros que normalmente retratam nus femininos.

No caso traduzido para o MASP, o número é de que 60% do acervo das obras de arte do museu são de nus femininos, contra 6% de artistas mulheres no acervo. A adaptação para a realidade do MASP – e da maioria dos museus mundiais – não poderia deixar de ser mais atual: há duas exposições em cartaz na casa que trazem alguns quadros com a temática do feminino.

Uma delas é a Toulouse-Lautrec em vermelho, que traz quadros do pintor francês Henri Toulouse-Lautrec. Há muitos retratos de mulheres, principalmente as prostitutas, retratadas como amigas do pintor. Umas das observações a fazer, entretanto, é que nenhuma das mulheres têm o nome conhecido, ao contrário dos homens retratados na mesma exposição. Um indício muito indignante da falta de valorização da identidade daquelas mulheres, como se elas não precisassem ser identificadas, e do absurdo da desigualdade presente há muitos séculos na arte.

A outra exposição, que se chama Erótica, de Pedro Correira Araújo, tem até cortininhas e avisos sobre classificação etária escondendo cenas de sexo, por exemplo. Mas nenhum deles esconde os corpos nus de mulheres retratados em boa parte dos quadros do artista, o que pode querer dizer que mulheres nuas devem ser considerados objetos de arte naturais de serem admirados. Segundo a apresentação do próprio MASP, as obras de Pedro Correia Araújo abordam o erotismo não de uma maneira estética, mas sim “de uma maneira geométrica”, que estrutura “a representação das figuras”. Ainda segundo o curador Fernando Oliva, o artista “fez de suas mulheres figuras complexas e repletas de caráter, verdadeiras representações de força e segurança”. Uma explicação, a meu ver, para a naturalização dos corpos nus femininos, sempre como musas e não como artistas e profissionais reconhecidas.

Voltando às Guerrila Girls. Começando a visita da exposição pelo lado esquerdo, o cartaz que chama a atenção pelo tamanho e pelas ironia é o vantagens de ser uma artista mulher, de 1988. Entre os itens elencados está o nunca ser chamada de gênio, poder escolher se dedicar ao trabalho quando o marido a trocar por uma mulher mais jovem, poder escapar do mundo das artes em seus quatro trabalhos como freelancers e outros sutis deboches de uma realidade tão absurda que é impossível não rir de nervoso e ir se indignando com cada novo dado, a cada nova constatação do tamanho da desigualdade.


Outros quadros dizem ainda que as empresas de ônibus são mais igualitárias que as galerias e os museus de arte de Nova York e questionam quando o racismo e o sexismo não forem mais “fashionable”, qual será a coleção de arte dos museus.

As Guerrilla Girls são conhecidas por usarem máscaras de gorilas. Nos cartazes elas também utilizam a marca. Na sexta-feira à noite, três delas – o número de Guerrilhas está espalhado pelo mundo, elas até disseram que os cartazes podem ser reproduzidos e colados nas ruas, basta ter cuidado ao fazer isso – fizeram uma performance no auditório do MASP. Elas identificam-se com nomes de artistas famosas, como Frida Kahlo. As três entraram no espaço distribuindo bananas e mostraram alguns dos números e das situações de desigualdade levantadas ao longo de 32 anos. O auditório teve a lotação da plateia que esgotou as 300 senhas para vê-las em 15 minutos – também houve transmissão ao vivo pela página do Facebook do MASP.

Antes da performance, o diretor do museu Adriano Pedrosa disse que estava muito feliz por conseguir trazer uma exposição solo das artistas ao MASP – elas já estiveram outras vezes em cartaz, mas de forma coletiva. Adriano também leu uma nota de apoio aos profissionais do MAM, os alvos mais recentes dos curadores de arte formados na internet brasileira, que já atacaram e conseguiram fechar a exposição Queermuseu, no Santander Cultural em Porto Alegre.

Um dos cartazes das Guerrilla sobre os conceitos da lei natural se encaixa perfeitamente nesse contexto pelo qual a arte está sendo atacada no Brasil: “artistas, escritores ou performers que querem inflingir suas imagens nojentas, homossexuais, eróticas, satíricas ou políticas ao público devem ter os subsídios cortados”.

Na performance de sexta passada no MASP, as Guerrilla Girls citaram frases absurdas de figuras históricas, pensadores, e artistas como Pitágoras, Pablo Picasso (“Há apenas dois tipos de mulheres: deusas ou capachos”), e Frank Sinatra (“Uma moça equilibrada é aquela que tem uma cabeça vazia e uma blusa fechada”). Elas também foram questionadas sobre o porquê de terem escolhido as máscaras de gorilas, e uma delas respondeu que desde o momento que elas começaram a usa-las, elas foram ouvidas prontamente. N.E.: as palavras “gorilla” e “guerilla” soam idênticas em inglês.

Se estivessem de cara limpa não chamariam tanta atenção.

Por Juliana Elisa
Imagens destacada e no texto: acervo da autora

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