Sobre representação
Um dos problemas que mais têm me incomodado quando penso sobre política é a questão da representação. Não falo aqui daqueles que, pertencentes a um grupo oprimido, falam em nome dele, mas daqueles que insistem em falar em nome de um grupo ao qual não pertencem. Homens falando sobre mulheres, pessoas brancas falando sobre pessoas negras, ricos falando sobre pobres. Não vou discutir o que move essas pessoas (que podem, obviamente, ser bem-intencionadas), já que o que me interessa é o fato de sempre os mesmos dominarem o discurso sobre os outros.
Essa questão se tornou nevrálgica por duas reações que provoca: a primeira colocada, em geral, por alguns setores de esquerda, é tratar a vivência como algo secundário ou até mesmo desprezível. Para tal, nos lembram de mulheres que assumiram o poder sem defenderem causas feministas, por exemplo.
Obviamente, generalizar o caso de mulheres que não defendem uma agenda feminista é interessante porque trabalha pela manutenção das relações de poder: o que se diz nas entrelinhas é que homens podem nos representar melhor do que nós próprias. Para tal, usam exemplos de homens que defendem uma agenda feminista. A questão é: quantas mulheres chegaram ao poder? E parte das que chegaram não teriam conseguido justamente por não assumirem uma posição feminista? A segunda questão, ainda mais delicada, é forçar um pertencimento a um determinado grupo unicamente para falar em nome dele. Em outras palavras, o sequestro de vivências.
A questão é: quantas mulheres chegaram ao poder?
Acho interessante, neste ponto, retomar o que diz a filósofa indiana Gayatri Spivak em seu livro Pode o subalterno falar?. Para Spivak, esse intermediário que pretende falar em nome de um grupo ao qual não pertence é parte das relações de poder que silenciam esse mesmo grupo. Não estou aqui negando a importância dos apoiadores que usaram seus lugares de poder para defenderem causas humanitárias em situações de opressão absoluta, mas questionando sobre outras formas de apoio. Spivak, assim como Foucault, indicam que os apoiadores deveriam se preocupar também em criar espaços para que pessoas em situação de subalternidade possam falar por elas mesmas.
Afirmar isso não é negar que opressões estruturais sejam objetivas e, como tais, passíveis de percepção imediata, nem muito menos propor uma inversão em que só um possa falar, mas ressaltar a importância da pluralidade de discursos. Trazer as margens para o centro.
Por Daniela Lima
Imagem destacada: The Lovers, René Magritte
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