A Cor da Pele…
“A cor da pele não importa.” Essa é a frase que ouço de todas pessoas de pele clara que conheço que lutam contra o racismo. Pessoas bem intencionadas e corretas que por não terem racismo em seu cotidiano, tratam ele com a mesma distância que há em seu coração.
Essa postura que é muito bonita, também é muito perigosa, pois dá a impressão que o problema não é tão grande.
Se a cor da pele não importa, porque os personagens da bíblia que nasceram em regiões árabes e negras são de pele clara? Se a cor da pele não importa porque raramente as pessoas são atendidas por médicos de pele escura? Se a cor da pele não importa, porque a maioria dos jovens mortos pela policia são negros? Se a cor da pele não importa porque tem pouco negro nas direções das empresas?
A verdade é que a cor da pele importa sim, foi com o suor das peles negras que os paralelepípedos foram arrastados no período colonial para sedimentar as ruas. Foi com base na cor da pele que leis como a do ventre livre e lei áurea deixou órfãos de futuro pelo ao menos 10 milhões de pessoas.
O Brasil é um país que tem como base a lógica social que pessoas de pele clara são superiores as que tem a pele escura, foi assim que nascemos como civilização. Por mais que isso embrulhe o estômago de alguns, é uma verdade que precisa ser compreendida. Arrancar o que imperou por 300 anos como normal requer um esforço maior que uma lei assinada por uma princesa decadente e um monte de pessoas bem intencionadas, precisamos ser mais sérios.
Trouxemos negros para trabalhar como escravos por acreditar que eram semianimais, essa política era vigente há 127 anos, ou seja, menos de duas gerações, ainda vivemos os benefícios dessa decisão como nação, temos que acolher também as conseqüências. Fingir que o racismo é um problema pontual é tratar a lepra como uma ferida somente. Dizer que existem negros racistas não ameniza o impacto do racismo, o racismo não tem culpados, tem responsáveis e somos nós.
O Brasil odeia o racismo, mas não consegue se pensar sem ele, não consegue se organizar sem ele, ele está em nossas veias. Para não sofrermos tanto mascaramos nossos racismo com camadas de argumentos baseados em desigualdade social, corrupção na política e por ai vai. Mas a verdade é que ser racista nos deixa tristes, nos faz ser manos brasileiros e assim abala nossa autoestima.
Se assumir racista é uma decisão dolorosa que não será fácil de ser tomada, ninguém quer dizer que tem racismo no coração, mas todos concordam que ele existe. O racismo é o que temos de mais democrático no Brasil, não escolhe classe, raça, gênero ou idade. É uma doença que tem níveis e subníveis dando a seus portadores uma falsa sensação de cura.
Nossos maiores aliados nessa luta são os racistas assumidos, aqueles que publicamente dizem não gostar de negros, que dizem ter nojo da nossa pele, aqueles que se indignam que qualquer sinal de benefício dado a população negra. Os racistas radicais nos ajudam quando se mostram, pois exibem um sintoma visível da doença escondida.
Se pudesse desejar algo nesse 20 de novembro é que tivéssemos mais racistas, pois assim seriamos mais honestos com nosso coração e assumiríamos essa fragilidade. Mas como já dissemos, somos uma nação jovem, 127 anos de liberdade não é nada ainda, até que essa vergonha passe, teremos ainda um bom tempo de hipocrisia pessoal e coletiva.
Por Manoel Soares
(Enviado para a #CDMJ por Alyne Jobim e publicado com autorização do autor.)
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