Feminismo & saúde mental X Patriarcado & adoecimento psíquico

Lembremos que o machismo é fruto (bem podre) do patriarcado, que é – junto com o capitalismo – o sistema que nos norteia. Infelizmente norteia mesmo: dá as bases e nos desenvolve junto com o nosso crescimento (físico e psíquico). O patriarcado vem nos dizer que quem possui o poder público são os homens, e quem pertence à vida privada são as mulheres. Aí as coisas podem se confundir por alguns momentos. Ouvimos que nós, mulheres, já conquistamos o direito ao voto, já estamos nas universidades, já trabalhamos no poder público e já pertencemos à uma vida social. Mas eu questiono: ?

Estamos no mercado de trabalho mas não temos os salários equivalentes; somos demitidas se engravidamos, somos julgadas pelas roupas consideradas “impróprias” para o ambiente de trabalho. Impróprias pra quem? Conquistamos o direito ao voto mas a representatividade feminina na política é muito menor que o ideal. Atualmente temos 12 senadoras e 50 deputadas. Será que temos quem defenda nossos direitos?

Lembremos então, que o machismo é consequência do patriarcado e o patriarcado é nosso sistema. Isso quer dizer que temos todo nosso desenvolvimento enquanto seres humanos afetados por esse sistema. O machismo aparece em todos os níveis desse iceberg.

Comecemos por baixo, pelo nível mais largo e submerso do iceberg, aquilo que é invisível mas que está tão calcificado e firma, que dá a base para todo o resto. Piadas machistas, que perpetuam a maneira com que somos tratadas pela sociedade. Publicidade machista.

Quando me dei conta do quanto a mídia é machista e guiada pelo patriarcado fiquei paralisada por alguns dias. A publicidade destinada às crianças, além de sexista, incentiva que os meninos utilizem da força enquanto as meninas permaneçam no ambiente privado, com comidinhas e bebês. Até porque só as meninas vão ser mães, né? Os meninos não precisam ter a característica do cuidado incentivada?

Isso só reflete no contexto violento que temos hoje. O nível do iceberg vai subindo e aparecendo a chantagem emocional sofrida pelas mulheres nos relacionamentos, a invisibilização de cunho social – como a participação política -, o abuso psicológico… até chegar na parte visível e explícita do iceberg, a violência física, as ameaças, o estupro.

violencia-de-genero

É preciso fazer toda essa contextualização pra gente perceber que as mortes de mulheres não acontecem de uma hora para a outra, sem contexto e sem sentido. Tudo isso foi – e vem – sendo construído de uma maneira subentendida e que faz parte do nosso desenvolvimento enquanto sujeitos.

A saúde – principalmente a saúde mental/psíquica – das mulheres é agredida o tempo todo. Uma saúde mental é construída desde que viemos para o mundo. Precisamos de um ambiente saudável para permanecermos assim. Se somos violentadas com informações sociais que nos prendem e nos limitam, nossa saúde mental entra em sofrimento por não podermos exercer nossa liberdade.

A saúde mental da mulher sofre com os padrões inalcançáveis de beleza que a sociedade impõe, criando a rivalidade entra nós; pois afinal, essa beleza é destinada a quem? Sofre com o medo e a insegurança por não sermos criadas para o ambiente público – muito comum ver mais homens palestrantes e se pronunciando em palestras do que mulheres, já se perguntaram por quê? -, sofre com o abuso psicológico em relacionamentos afetivos, e em consequência da insegurança consigo mesma, acabamos achando que isso faz parte de um relacionamento…

E nossa saúde física sofre também. Sofre quando aquela força interligada ao poder, lá dos brinquedos da infância, acabam sendo exercidos em um relacionamento.

O feminismo entra como um apoio à saúde mental – e física – das mulheres. Como psicóloga, posso dizer que os casos de transtornos com a imagem corporal, baixa autoestima, transtornos alimentares, fragilidade emocional e psíquica e outros transtornos como ansiedade e depressão podem ter sua origem na perpetuação do machismo durante todo nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, principalmente quando falamos de mulheres.

Como?

O machismo e o sexismo estão presente nos menores e mais corriqueiros momentos da nossa construção enquanto seres sociais. Imaginem uma pessoa tendo sua subjetividade em desenvolvimento e internalizando todo o machismo que a mídia “proporciona”; adquirindo cada vez mais medos e inseguranças com seu corpo por ver um padrão inalcançável na televisão, nas redes sociais, nas vitrines de lojas. Imaginem uma criança crescendo em uma casa onde existe violência doméstica contra a mulher, ou que as responsabilidades do ambiente privado são desconsideradas para os homens que ali vivem.

Imaginem a criança virando pré-adolescente e adolescente assistindo comédias românticas nas quais todas as falas das personagens mulheres são voltadas aos homens (nem entrando na questão da heteronormatividade e quão traumático isso é). Filmes e seriados que também constroem a subjetividade e as singularidades de cada um. Que pertencem ao desenvolvimento psíquico e social. Filmes que perpetuam o machismo e o lugar de pertencimento da mulher.

Como a subjetividade está sendo construída? Baseada em inseguranças, em medos… Na vida adulta toda essa construção patriarcal que recai sobre nós, transforma-se em ansiedade, depressão, transtornos alimentares e uma fragilidade psíquica que por mais trabalhada em terapia e apoio psicológico para ser fortalecida, o patriarcado continua recaindo sobre nós e trazendo lembretes dessa insegurança.

O feminismo aparece como aliada – aliada, no feminino mesmo, porque sim – das terapias psicológicas. Me arrisco em dizer isso, como psicóloga, por perceber uma libertação das mulheres muito maior quando associadas à terapia e ao feminismo.

Não menosprezando a terapia, pois o apoio psicológico e profissional é não só importante como essencial, porém, no feminismo existe um reconhecimento entre as mulheres de que é possível passar por esse momento, de que essa fragilidade emocional e insegurança possuem um denominador comum: o machismo perpetuado em nosso desenvolvimento social e psíquico.

Somos seres sociais, não podemos desvincular nossa saúde mental do momento social que vivemos. Dessa maneira, temos que analisar os agravantes que nossos sistemas de convivência social perpetuam na nossa subjetividade. Se crescemos e nos desenvolvemos sob uma ótica violenta e sexista e que considera “ok” fazer piada sobre isso de maneira publicitária, não podemos desconsiderar que os números de pacientes mulheres aumentaram na terapia tendo como um agravante o sistema patriarcal.

Por Ana Cláudia Delajustine
Imagem destacada: detalhe da arte de capa da primeira edição do Doll Hospital, por Valerie Choi.

Comments

Comentários